16/11/2019
ESTÉTICAS INDÍGENAS - Livro do III Colóquio de Estética da FAFIL UFG
Poderíamos iniciar esta apresentação evocando o título do livro de Didi-Huberman que remete ao paradoxo ÃÂÃÂo que nós vemos, o que nos olhaÃÂÃÂ, para discorrer sobre a escolha do nome do evento do qual resulta a presente publicação. O paradoxo é exemplar para explicar o sentido de estética ÃÂÃÂ e seus desdobramentos ÃÂÃÂ que buscamos na concepção inicial do evento e que discutiremos nesse pequeno introito.
Em agosto de 2018, a organização do III Colóquio de Estética da Faculdade de Filosofia (FAFIL) da Universidade Federal de Goiás (UFG) elegeu por tema as estéticas indígenas, criando uma parceria com o Núcleo Intercultural de Educação Indígena Takinahaky da Universidade Federal de Goiás, com o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS), com a Galeria da Faculdade de Artes Visuais (FAV) da UFG e com o Cine-UFG. Inicialmente, o III Colóquio foi intitulado Estética Indígena, no singular. Entretanto, durante o percurso, do projeto à realização, ele ganhou uma pluralidade de sentidos e os devidos ÃÂÃÂessesÃÂÃÂ foram acrescentados, tornando-se: Estéticas Indígenas.
A palavra ÃÂÃÂestéticaÃÂÃÂ que, como sabemos, vem do grego aisthesis, e que inicialmente era entendida como ÃÂÃÂsensaçãoÃÂÃÂ ou ÃÂÃÂpercepção pelos sentidosÃÂÃÂ, possui uma gama maior de significados e um, particularmente, mais utilizado: aquele que na ordem do dia-a-dia entende-se por ÃÂÃÂformaÃÂÃÂ, ÃÂÃÂaparênciaÃÂÃÂ, acrescida por determinada ideia de beleza, que diz respeito à ordenação, simetria, proporção e composição organizada de modo a causar um bem estar a quem a vê: a ÃÂÃÂbela aparênciaÃÂÃÂ. Embora este seja um entendimento bastante trivial da palavra, ele está como que inscrito na mente das pessoas de maneira imediata. Ouvimos e lemos certas junções da palavra: ÃÂÃÂestética visualÃÂÃÂ, ÃÂÃÂestética do textoÃÂÃÂ, ÃÂÃÂestética do corpo, da face, dos dentes, do cabeloÃÂÃÂ, entre outras. Algumas vezes, ÃÂÃÂestéticaÃÂÃÂ serve para expressar ÃÂÃÂestiloÃÂÃÂ, como se soasse mais erudito dizer a ÃÂÃÂestética renascentistaÃÂÃÂ do que o ÃÂÃÂestilo renascentistaÃÂÃÂ ou qualquer outro estilo, como se estilo fosse pouco para nomear tal grandeza e engenho. Entre a pompa e o trivial, a palavra é escolhida e dita com um ar de propriedade intelectual que resume uma série de funções a muitas léguas de distância do seu significado original.
No século XVIII, em plena onda empirista, e no momento de fortalecimento do common sense, o sentido antigo da palavra reaparece envolto em questões epistemológicas, no cerne da disputa pela indicação das fontes do conhecimento. A aisthesis retoma o rumo via um sentido físico que se desdobra: do paladar físico ao gosto ÃÂÃÂmentalÃÂÃÂ. Ganha o estatuto de ÃÂÃÂciência do beloÃÂÃÂ, forçosamente assim nomeada, pois não se acredita muito nela como uma ciência, pois esta sempre foi necessariamente definida pelo caráter de sua universalidade e objetividade. À Estética cabe o particular e a subjetividade, mas é-lhe permitido sublimar esses limites quando ÃÂÃÂ via a expressão do juízo que passa a acompanhar o que é estético ÃÂÃÂ pode tornar-se um ÃÂÃÂsenso comum estéticoÃÂÃÂ. A grandeza que lhe é aferida torna-a cada vez mais significativa na Filosofia dos séculos XVIII ao XIX, elevada à função de reunir, em determinado grau, ÃÂÃÂmatéria e espíritoÃÂÃÂ, ÃÂÃÂsujeito e objetoÃÂÃÂ, ÃÂÃÂconteúdo e formaÃÂÃÂ, sem nunca deixar de ser a expressão da subjetividade que almeja ser universal. Essa magnitude e potência de sentido da palavra repercutiram até a ela oporem-lhe a subjetividade criativa ou criadora do gênio, essa brotação espontânea da natureza. A ênfase é ora dada à ÃÂÃÂcriatividadeÃÂÃÂ em contrapartida às inúmeras páginas de debate sobre a ÃÂÃÂrecepçãoÃÂÃÂ da obra de arte que teria embasbacado os ditos filósofos iluministas ao refletirem sobre a capacidade de julgar da nova classe, formada pelos espectadores da burguesia em ascensão. Em outros termos: o refinamento do gosto, a educação dos sentidos, os sentidos além dos sentidos físicos, a sensibilidade, o prazer regrado, sem esquecermos a doce melancolia.
Como associar tal palavra que historicamente e cotidianamente nada mais ecoa do que uma multidão de significados, implementada por um código de uso pseudo erudito ou erudito, em sentido teoricamente aprimorado, aos povos indígenas no Brasil?
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