14/02/2023
'As Provas da Existência de Deus' é o tema do novo número de Basilíade - Revista de Filosofia da FASBAM
Curitiba
Temos o prazer de anunciar que o novo número de Basilíade - Revista de Filosofia (v. 6, n. 11 (2024)) já está disponível para download:
We are pleased to announce that the new issue of Basilíade: Journal of Philosophy (v. 6, n. 11 (2024)) is now available for download:
Link: https://fasbam.edu.br/pesquisa/periodicos/index.php/basiliade/issue/view/27
Nós, da FASBAM - Faculdade São Basílio Magno, temos a grata satisfação de apresentar o vol. 6, nº 11, de Basilíade – Revista de Filosofia, correspondente ao período de janeiro–junho de 2024, cujo dossiê, organizado pelo Prof. Dr. Rogério Miranda de Almeida, se intitula: As Provas da Existência de Deus.
O tema da existência ou não existência de Deus é tão antigo quanto a história do pensamento cristão, e mesmo quanto a história da filosofia em geral. No pensamento cristão propriamente dito, vamos encontrar, de maneira embrionária, a prova da existência de Deus já na literatura apologética greco-latina dos séculos II–III, cujo pano de fundo é animado, sobretudo, pelas filosofias platônica e estoica. Assim, Aristides de Atenas, na primeira apologia completa de que temos notícia, e Arnóbio de Sica, no seu Adversus nationes, desenvolvem, já no início de suas obras, o argumento segundo o qual a regularidade e a harmonia dos fenômenos da natureza elevam a mente para contemplação de um Criador ou de um Artífice do mundo. Note-se também que questão da existência de Deus está essencialmente ligada àquela da teodiceia e às discussões em torno da relação “sabedoria cristã” – “sabedoria pagã” que marcaram o encontro e os embates, no início do cristianismo, entre a cultura semítica e a cultura greco-latina. A interrogação que então se levantava era a de saber se “sabedoria cristã” e “sabedoria pagã” se equivaliam, se opunham uma à outra irredutivelmente ou se complementavam.
No século IV, com os Padres Capadócios, essas questões se ampliarão, se aprofundarão e se enriquecerão com os temas da criação (Basílio Magno), do governo do mundo (Gregório Nazianzeno) e do lugar do homem no cosmos como um meio-termo, ou um entre-dois que, graças ao nous, liga as criaturas visíveis às criaturas invisíveis e, em última instância, ao próprio Deus (Gregório de Nissa). A razão se apresentava então como um meio de indagar os mistérios da fé e, até certo ponto, de entender a existência de Deus. Assim, na sua obra clássica, Os cinco discursos teológicos, Gregório Nazianzeno irá subtilizar essa problemática ao demonstrar que, pela contemplação das realidades visíveis, o homem é capaz de chegar a uma compreensão, não da essência, mas da existência de Deus.
Com Agostinho de Hipona (354–430), já nos seus primeiros escritos – os diálogos de Cassiciaco – vemos introduzir-se e desenvolver-se a teoria da iluminação interior, pela qual o ser humano é capaz, através do diálogo da alma consigo mesma, de aceder ao conhecimento da Verdade. Na Verdadeira religião, último livro escrito por Agostinho enquanto leigo (389–391), e apesar das ambiguidades que esta obra encerra, assistimos à tentativa de um diálogo entre a razão e a religião. Foi, no entanto na Cidade de Deus, redigida entre 413 e 426, que o Bispo de Hipona assinalou à filosofia o papel de conduzir o sábio a participar da própria vida divina. “O sábio – dirá ele a respeito de Platão no início do Livro VIII – é um imitador, um conhecedor e amante de Deus”.
Ora, no século XI, com Anselmo de Aosta, e no século XII, com Pedro Abelardo e Pedro Lombardo, verificar-se-á uma intensificação da tentativa de estabelecer um diálogo entre a razão e a fé. Quanto ao século XIII, será a questão da relação fé e ciência, razão e revelação que marcará os acalorados debates que animarão a vida acadêmica nas universidades recentemente fundadas. Emergem então as famosas “provas da existência de Deus” defendidas, por exemplo, por Tomás de Aquino e Boaventura da Bagnoregio.
Tendo, pois, como pano de fundo as vicissitudes que pontilharam as discussões em torno da existência ou não existência de Deus ao longo da história da filosofia, este dossiê apresenta textos de diferentes autores que contribuíram para a realização deste número de Basilíade. Assim:
O primeiro artigo, de autoria de Maurizio Filippo di Silva, tem como título: A prova da existência de Deus no De libero arbitrio de Agostinho. Segundo Filippo di Silva, trata-se de esboçar a prova da existência de Deus traçada por Agostinho de Hipona no segundo livro do De libero arbitrio. Munido, pois, deste propósito, o autor examinará, na primeira parte de sua pesquisa, o critério indicado pelo Hiponense para provar que Deus existe. Em seguida, na segunda parte, ele analisará a reflexão agostiniana sobre a Verdade como objeto comum e imutável do conhecimento da razão humana. Por fim, na terceira parte, ele levantará a questão de saber por que a Verdade é superior à razão e, deste modo, tentará mostrar por que, para Agostinho, Deus existe.
O segundo artigo, intitulado Verdade e evidência da existência de Deus em São Boaventura, é da autoria de Paulo Martines. Segundo o autor, o tema da existência de Deus é apresentado por São Boaventura a partir de três vias que conduzem o pensamento humano à certeza natural, enquanto adesão firme à verdade que a inteligência conhece, seja segundo as razões eternas, seja por meio de provas demonstrativas. Essas três vias, elucida o autor, consideram, respectivamente, o autoconhecimento da alma, o reconhecimento do mundo exterior na relação entre as criaturas e o criador, e o plano da evidência imediata e suficiente por si para engendrar a verdade indubitável. O autor apresenta o desenvolvimento argumentativo das provas da existência de Deus, segundo São Boaventura, no (1) Comentário às Sentenças (I, distinção VIII) e, (2) nas Questões disputadas sobre o mistério de Cristo (Q. I a.1), duas obras marcadas pela atividade docente do doutor seráfico na universidade medieval. Ele pretende também mostrar que essas provas, especialmente a terceira, são devedoras da ratio anselmi, já conhecida na escolástica medieval latina do século XIII.
O autor do terceiro artigo é Sergio Ricardo Strefling e o seu texto se intitula: A questão sobre Deus na Metafísica de Aristóteles: A teoria do primeiro motor imóvel. De acordo com o autor, a questão sobre Deus em Aristóteles aparece na teoria sobre o primeiro motor imóvel, e ela é demonstrada no livro XII da Metafísica. Tudo o que se move é movido por outro. Entende, pois, Aristóteles que no universo há uma série indeterminada de motores e movidos. Todos os movimentos têm uma causa anterior. Mas, não é possível regredir ao infinito, pois todos e cada um sempre dependeriam de outro. Por esta razão, conclui o Estagirita que é necessário que exista um primeiro motor imóvel que não seja movido por nenhum outro. Ora, se não existisse um primeiro motor absoluto, seria impossível o movimento gerado nos outros motores que compõem o universo. Neste estudo sobre a teoria aristotélica que se tornou tradicional na teodiceia, o autor apresenta determinados passos da Metafísica com o auxílio de alguns comentadores, sem, contudo, entrar em aporias importantes que o texto aristotélico vem suscitando entre os pesquisadores.
O quarto artigo, da autoria de Marcelo Fabri, tem como título: O fascínio do invisível: Uma herança da metafísica para a fenomenologia. Neste artigo, o autor se propõe examinar uma herança da metafísica clássica para a fenomenologia francesa: o fascínio pelo invisível. Ele se apoia fundamentalmente nas teses de Emmanuel Levinas e Jean-Luc Marion, dois grandes representantes desta fenomenologia. Se, para Heidegger, a questão de Deus está atrelada ao destino da metafísica como onto-teo-logia e, portanto, termina sendo uma questão “superada”, a fenomenologia do invisível, por sua vez, se pergunta se tal superação não é uma oportunidade para se retomar o problema de Deus para além do sentido do ser. Assim, conclui o autor, quando todas as vozes são unanimes em proclamar que a metafísica perdeu toda credibilidade e legitimidade, a fenomenologia mantém vivo o fascínio pelo invisível, abrindo desta sorte um novo espaço de razões, ampliando e renovando problemas metafísicos que continuam inquietando a humanidade.
O quinto artigo se intitula A imagem de Deus na moral de Santo Afonso de Ligório e o seu autor é Joaquim Parron-Maria. Ele tem como objetivo, conforme o título já deixa pressupor, examinar a imagem de Deus em Santo Afonso de Ligório. Dentro dos estudos propositivos desse Doutor da Igreja, diz o autor, ocorre uma contraposição histórico-ideológica da visão moral jansenista. Aqui, o propósito é demostrar que a teologia de Santo Afonso recupera o aspecto bíblico mais importante dos Evangelhos, o amor de Deus pelos homens. Em contraponto, ele mostra a ideologia teológica predominante na discussão acadêmica e na prática dos homens no século XVIII, isto é, o jansenismo rigorista que impunha aos homens uma vida cheia de preceitos e o temor a Deus acima do amor de Deus pelo homem. Recuperando esse aspecto, conclui o autor, Santo Afonso revaloriza o cerne do Evangelho de Jesus e propõe uma moral de salvação e redenção do homem, não de punição e medo.
O autor do sexto artigo é Fabiano de Mello Vieira e o seu texto se intitula Reflexões psicanalíticas acerca da relação do sujeito com Deus. O autor tem como objetivo analisar, sob o viés psicanalítico, a relação entre o sujeito e seu Deus ne medida em que essa relação está diretamente ligada ao próprio funcionamento do seu psiquismo. Ou seja, para a psicanálise, a origem dessa relação está no próprio sujeito. Nesse sentido, retrataremos de maneira breve o caminho percorrido por Freud acerca da passagem do animismo às religiões e da importância do totemismo como um exemplo para aquilo que a psicanálise chamou de registo simbólico. Tal registro possibilita pensar o (P)ai como metáfora e, portanto, situar Deus no lugar simbólico do Pai de todos, onipotente, onipresente, que protege e ao mesmo tempo castiga aqueles que desobedecem suas leis. A relação com a Lei internalizada pela metáfora paterna é a marca fundamental da estrutura neurótica que precisa administrar o conflito entre os desejos e as privações. Por fim, o autor analisa a noção freudiana de das Ding, desenvolvida por Lacan, como sendo o reencontro com o desde sempre perdido. O sujeito conseguirá algum tipo de relação com o das Ding por meio da fantasia – recurso imaginário que reveste o impossível de possibilidades como a da salvação, da vida eterna e tantas outras promessas divinas.
O sétimo e último artigo, Apontamentos de introdução sobre o problema da filosofia da linguagem, na modalidade de fluxo contínuo, foi escrito por Aluísio von Zuben. Nas suas reflexões, o autor se propõe apontar alguns problemas lógicos ilustrativos das dificuldades que a linguagem pode acarretar, quando aplicada a propósitos científicos, para justificar o surgimento da filosofia da linguagem. Seus comentários, porém, se restringem à tradição da lógica clássica, destacando as contribuições de Aristóteles, Leibniz e Frege. Mas ele mostra também que, posteriormente, houve uma grande elevação da complexidade das questões envolvidas, dado o aprofundamento do vínculo da lógica com a matemática.
Encimam o presente dossiê duas recensões. A primeira, da autoria de Marco Antônio Pensak, analisa a obra: ALMEIDA, Rogério Miranda de. A consciência moral: Das raízes gregas ao pensamento medieval. São Paulo: Loyola, 2023.
A segunda recensão tem como autor Cauê Ferreira Teixeira, que examina a obra: BIESTA, Gert. World-Centred Education: A view for the present. New York; London: Routledge, 2022.
O nosso caloroso agradecimento aos autores que enriqueceram este número de Basilíade e os nossos votos de uma profícua leitura a todos aqueles que contribuem para a difusão e o incremento da cultura.
Editores
Irineu Letenski e Rogério Miranda de Almeida, Faculdade São Basílio Magno – FASBAM, Brasil.
E-mail para contato: periodicos@fasbam.edu.br