20/04/2020

CHAMADA DE ARTIGOS - Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea (v.8, n.3, 2020)

O Governo dos Algoritmos: A Morte da Política?

A Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea convida pesquisadoras e pesquisadores a submeter artigos para o dossiê “O governo dos algoritmos: a morte da política?”, a ser publicado em dezembro de 2020.

É inegável que a internet, os dispositivos móveis e as plataformas digitais provocaram uma verdadeira revolução no modo como produzimos, fazemos circular e recebemos informações. As mudanças são de tal ordem que é comum se falar em uma inédita cibercultura e em um novo modo de vida digital no seio de uma nascente sociedade da informação. Essas transformações trazem, contudo, novos problemas e desafios, sendo preciso avaliar criticamente o mundo que se avizinha, que está longe de ser simplesmente uma utopia enfim realizada. Nesse contexto, convém refletir também sobre o futuro da política em diversas de suas dimensões, tocando em temas como a deformação da esfera pública, a crise institucional, os retrocessos sociais e o desmoronamento das democracias liberais.

O que podemos entender por um “governo dos algoritmos”? Em seu sentido mais próprio, de acordo com Michel Foucault, governar envolve dirigir a si mesmo ou a outrem de uma maneira mais ou menos racional e sistemática, visando fins específicos. Trata-se de uma atividade que afeta, guia e formata nossa ação. O foco do governo reside assim em “conduzir condutas” e “ordenar a probabilidade”, ou seja, no direcionamento dos comportamentos por meio de incitação, indução, sedução ou constrangimento e proibição, de modo a tornar mais ou menos provável um determinado curso de ação. Nesse sentido, podemos dizer que uma nova estratégia de governo é colocada em funcionamento por meio de complexos algoritmos, que cada vez mais direcionam nossas condutas e influenciam decisivamente nossas práticas de consumo, nossas escolhas políticas e a formação de nossas opiniões. Esse novo governo baseia-se fundamentalmente na vigilância e extração automatizada de dados (dataveillance) que são processados, filtrados e correlacionados (datamining) de modo a permitir a elaboração algorítmica de perfis (profiling), capazes de antecipar comportamentos e agir sobre as ações futuras.

Em certa medida, somos cada vez mais governados por algoritmos e não por leis. O direito e os instrumentos tradicionais de poder soberano mostram-se incapazes de regular a vida interconectada e fazer valer suas regras. Esse fenômeno traz importantes questões para a vivência democrática nas sociedades contemporâneas, para a segurança e para a proteção da privacidade e das liberdades individuais. A novo capitalismo da informação assenta-se em um modelo de negócio que pressupõe a conectividade, a transparência, a extração e a utilização maciças do fluxo de informações e dos rastros digitais dos indivíduos, que em troca de certos serviços são cada vez mais capturados por um complexo sistema baseado na vigilância, na gestão de nossos comportamentos futuros e no governo de nossas ações.

É preciso aprofundar nossa compreensão desse novo governo dos algoritmos, que se afasta em vários aspectos do governo em seu sentido tradicional, que procurava influenciar as escolhas individuais pressupondo sujeitos livres, capazes de deliberação. Com o governo dos algoritmos vemos emergir um novo regime de ação sobre o futuro. Baseando-se em perfis, ambientes são configurados e respostas reflexas são produzidas. Os indivíduos são governados na medida em que é formatado o campo de suas ações possíveis. Não é mais preciso dizer “não” ou ameaçar, basta enviar sinais capazes de provocar ou estimular determinados comportamentos. Desse modo, temos um governo mais eficiente e um poder que funciona de modo ainda mais insidioso, ubíquo e cirúrgico.

Com o governo dos algoritmos, corremos o risco de ver o campo da política esvaziado em grande medida, no seio de uma espécie de tecnocracia digital, que funciona cada vez mais por meio de sistemas computacionais autonômicos em termos apenas de eficiência, inovação e segurança. Reaviva-se mais uma vez o sonho de resolver o problema da política por meio da ciência e da tecnologia, substituindo a deliberação pelo cálculo. No lugar do árduo e lento trabalho de construção democrática de uma vida em comum, a solução rápida e eficiente das novas máquinas inteligentes. Diante desse quadro, a ação humana corre o risco de ser colonizada por processos racionalizados e autômatos capazes de nos governar e, se essa tendência se intensificar, podemos até mesmo nos questionar sobre a capacidade das gerações futuras agirem e tomarem decisões de uma maneira minimamente livre e refletida.

O dossiê visa reunir pesquisas em torno das novas tecnologias de informação e da comunicação e dos desafios que seu desenvolvimento opõe à democracia, ao direito, ao mundo do trabalho e ao pensamento filosófico enquanto atividade humanizadora. São bem-vindos trabalhos que aprofundem filosoficamente como essas novas tecnologias mudam nossas vidas e trazem consigo novos problemas, que podem ser explorados em sua dimensão ética, política, epistemológica, social ou existencial.


Prazo para recebimento de textos para avaliação por pares, no sistema duplo-cego: 30 de setembro de 2020.

Editores responsáveis pelo dossiê: Maria Cecília Pedreira de Almeida (UnB) e Marco Antônio Sousa Alves (UFMG).

Para submissões e informações, favor acessar: http://periodicos.unb.br/index.php/fmc/index