A ANPOF Hoje

Prof. Dr. Marcelo Carvalho

UNIFESP

18/10/2016 • Coluna ANPOF

Discurso de Abertura ANPOF 2016

Boa noite a todas e a todos.

Bem vindos a Aracaju e ao XVII Encontro Nacional da ANPOF.

Devo, antes de mais nada, ressaltar para vocês a enorme importância do apoio da UFS, através de seu reitor, Prof. Angelo Antoniolli, e do Prof. Antônio Carlos dos Santos, que possibilitaram que esse XVII Encontro Nacional da ANPOF ocorra, de modo bastante simbólico, sobretudo no contexto atual em que nos encontramos, dentro do espaço da Universidade Pública e em uma cidade do NE do Brasil. É difícil descrever a dimensão desse apoio e da dedicação da UFS em nos receber e em possibilitar que o Encontro ocorra em um ambiente qualificado. Agradeço, em nome da ANPOF, ao Prof. Angelo, ao Prof. Antônio e à UFS.

Que esse Encontro seja realizado no NE é desdobramento de um processo que se situa no núcleo do projeto de trabalho da Direção da ANPOF nos últimos 4, eventualmente 6 anos. A pós-graduação em filosofia no Brasil se transformou profundamente a partir do início desse século, sobretudo a partir de 2003. Havia no Brasil em 1999 18 mestrados e 8 doutorados em Filosofia. No caso dos doutorados, todos se situavam no Sudeste e Sul do país. O primeiro Doutorado em Filosofia fora destas regiões resultou de um projeto conjunto da UFPE, UFRN e UFPB, e foi implantado entre 2005 e 2006. Hoje são 46 mestrados e 24 doutorados, sem contar os polos regionais do PROF-Filo, que tem grande capilaridade. No NE e CO tem-se observado um crescimento consistente e impactante da pós-graduação em filosofia, sobretudo nos doutorados. Estas regiões já contam com 6 doutorados formados na última década, em um processo de expansão que é ainda desdobramento da ampliação dos mestrados na década passada. Com isso, essas regiões deixaram de depender da migração ou da formação de pessoal no SE e S e passam a participar de modo cada vez mais igualitário da formação de pesquisadores e dos docentes da pós-graduação assimilados em universidades de todo o país. A mudança afeta também o SE e S, onde se observa uma clara alteração no perfil dos Programas, que passam a ser em muito maior número, diluindo a concentração que caracterizava sua identidade até 15 anos atrás, e que são também mais diversificados, além de situados com frequência fora das capitais dos Estados.

Esse cenário transformou profundamente a identidade da Pós-Graduação em Filosofia no Brasil e da ANPOF. No centro do projeto de trabalho que propusemos à ANPOF nessas últimas duas gestões em que fui presidente se situa a compreensão de que era necessário ajustar a Associação a esse novo contexto, abrindo-a a novos interlocutores, criando mecanismos de maior participação no debate político-acadêmico, de interlocução e de diálogo para a comunidade como um todo, e também para além dela. Essa não é uma tarefa fácil e os ajustes estão longe de serem concluídos, mas não tenho receio em dizer que já temos uma nova ANPOF, muito mais aberta e diversa, mais ligada aos problemas dessa nova comunidade de pós-graduação em filosofia que surgiu na última década. E que temos em nossas mãos os instrumentos para levar esse trabalho adiante.

Há alguns aspectos desse processo de ajuste da ANPOF a um contexto mais plural e complexo que eu gostaria de sublinhar. Em primeiro lugar, gostaria de lembrar que foi necessário que realizássemos em 2013 e 2014 uma revisão do Estatuto da ANPOF que substituiu a concentração excessiva da representação em sua diretoria no SE, característica da distribuição geográfica dos Programas de Pós-Graduação até 2002, por uma representatividade mais equilibrada e efetivamente nacional.


Um segundo aspecto a sublinhar diz respeito à inclusão na pauta da ANPOF do debate sobre a filosofia no Ensino Médio. Esse trabalho foi iniciado em Curitiba, sob a presidência do Prof. Vinicius Figueiredo, que trouxe o tema para dentro do Encontro da ANPOF a organizou o I Encontro ANPOF EM. Essa iniciativa foi fundamental, em um contexto em que a filosofia passava a se fazer presente em todas as escolas de EM do país e havia enorme demanda por espaços para o debate e para o amadurecimento dessa prática docente. É interessante lembrar que o Brasil tem hoje o que é possivelmente a maior experiência de ensino de filosofia do mundo, seja em números absolutos (o total de docentes e discentes), seja em termos relativos (número de anos e percentual de alunos do EM envolvidos por ano), cenário ao qual se soma a existência de uma estrutura universitária também muito ampla, com quase duas centenas de graduações em filosofia e uma grande estrutura de pós-graduação. Um desdobramento dos debates da ANPOF EM foi a elaboração do PROF-FILO, Programa de Pós-Graduação em rede sobre o Ensino de Filosofia, que reúne inicialmente 16 universidades públicas de todo o país. A ANPOF participou desse processo que teve início nos Encontro ANPOF EM, com a incumbência de assegurar o perfil plural e efetivamente nacional do projeto, que tem sido levado adiante graças ao grande esforço da comissão responsável por sua elaboração e também pelo trabalho árduo e dedicado do Prof. Edmilson Paschoal, da UFPR, seu atual coordenador. Apesar de ser uma associação de pós-graduação, a ANPOF tem reconhecido seu papel na organização e ampliação desse debate e buscado meios adequados para exercê-lo. A adoção dessa postura resulta do reconhecimento da centralidade histórica que a ANPOF adotou ao longo de sua existência, constituindo-se como o grande fórum de debates sobre a filosofia no Brasil.

É lamentável que o balanço dessas realizações, do vigor e da importância da experiência de ensino de filosofia no Brasil e da criação de um Programa de Pós-graduação nacional voltado para o Ensino de Filosofia se faça em um momento em que, de maneira autoritária, sem debate com a sociedade, sem coerência com a história do país nas últimas décadas, estejamos na posição de lutar contra uma pseudo-reforma da educação que ressuscita concepções autoritárias do EM como grau final de formação, que definiam o projeto educacional durante o regime militar, sobretudo nos anos 1970. Pois por detrás do discurso sobre flexibilização da matriz curricular e ajuste da formação ao interesse dos alunos o que se apresenta é uma redefinição da formação que passaria a ser restrita àquilo que, também de modo equivocado, se concebe como instrumental básico para a formação do estudante, mas que não parece ser mais do que instrumental para sua inserção, em condições precárias, no mercado de trabalho. Queremos uma escola mínima e básica? O mínimo e o básico para nossos estudantes e para a vida incluem a cultura, a arte, a filosofia, a política plural e sem censura, a sexualidade, a ciência, a literatura.

Esse período (de 2013 a 2016) foi marcado também por questões de enorme impacto no que diz respeito à relação da CAPES com os Programas de Pós-Graduação em Filosofia. Vivemos em 2014 duas experiências vigorosas e opostas. Em um primeiro momento, a ANPOF provocou a comunidade para o diálogo sobre a indicação do novo coordenador da área e, pela primeira vez, se construiu um amplo debate público de propostas para o período subsequente de Coordenação da área na CAPES. O grande resultado daquele debate, que ainda pode ser lido no Fórum da ANPOF, era que, quem quer que assumisse a coordenação da área, o faria a partir de compromissos públicos com a comunidade. Em sentido contrário, entretanto, a CAPES surpreendeu a todos, a absolutamente todos, ao indicar para a coordenação da área de Filosofia/Teologia um docente de Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião, uma subárea muito menor do que a filosofia. Constituia-se com isso uma situação de heteronomia e de desrespeito a qualquer parâmetro razoável de representatividade no processo de avaliação da Filosofia. Também nesta ocasião a ANPOF se constituiu como fórum para os debates sobre a nova situação, negociou com o coordenador indicado, Prof. Flávio Senra Ribeiro, uma autonomia de fato da Filosofia e encampou a defesa da separação das duas subáreas. (Aproveito para expressar meu mais profundo respeito ao Prof. Senra Ribeiro por sua postura ao longo de todo este processo). Essa separação entre as áreas se efetivou há poucos meses, como resultado do trabalho de um número expressivo de colegas, e, não obstante a penúria a que o contexto econômico e as políticas públicas desses últimos dois anos têm conduzido a pós-graduação no Brasil, temos hoje um bom motivo para comemorar: a filosofia se constituiu como área autônoma na CAPES e, com isso, garantimos a possibilidade de ajustar de modo mais adequado a identidade de nossos Programas de Pós-Graduação a nossos projetos e concepções sobre ensino e pesquisa em filosofia.

Também no âmbito da relação dessa comunidade com a CAPES, em 2015 se encaminhava um projeto e um debate importantíssimo, chamado pela Coordenação de Filosofia na CAPES, exercida pelo Prof. Vinicius de Figueiredo, e pela ANPOF. Tratava-se do momento de iniciar o ajuste da estrutura de avaliação da área, no âmbito de sua autonomia, para que a avaliação caminhasse no sentido de deixar de ser um processo autônomo, que induz à artificialidade na vida acadêmica, meramente quantitativo e punitivo, e passasse a indicar em uma outra direção: a indução de uma identidade plural da área, que valorize a integração do ensino e da pesquisa, a pluralidade de papeis assumidos pelos docentes e que, sobretudo, buscasse mecanismos para uma análise mais qualificada da produção e da vida acadêmica. Trata-se, também aqui, de ajustar nossos instrumentos à ampliação e diversificação da Pós-Graduação em Filosofia que se configurou nos últimos 15 anos. Entretanto, mais uma vez fomos atropelados pelos fatos. O corte de verbas da universidade pública em 2015, a redução das verbas de custeio da pós-graduação em 75% e a enorme incerteza que passou a pairar sobre a universidade brasileira quase impediram a realização da reunião de coordenadores em Brasília. Muitos dos coordenadores não puderam estar presentes e essas dificuldades dominaram a pauta de nossas discussões. Não obstante isto, deu-se um passo importante e espera-se que a próxima avaliação da área, que se conclui em 2018, reflita o início destas mudanças.

Os cortes de recursos iniciados em 2015 interrompem um período de expansão do investimento na pesquisa e de crescimento da universidade pública que durou mais de uma década. Caso ele se configure como mais do que um ajuste circunstancial, o que se coloca em risco é o imenso trabalho de ampliação e qualificação da pesquisa, em todas as áreas, que vinha sendo desenvolvido. No caso da filosofia, esse crescimento se fez com uma identidade muito própria e que merece ser considerada, ainda que rapidamente. A filosofia brasileira consolidou nos anos 1970 e 1980 uma identidade estritamente acadêmica. A figura do intelectual engajado, que na verdade já era exceção naquele contexto, passou a ser ainda menos presente nas últimas duas décadas. (Talvez esse cenário esteja se transformando agora). Em contrapartida, a pesquisa feita no Brasil se define, para o bem e para o mal, por sua qualificação acadêmica e ajuste a parâmetros internacionais. A rotina da pesquisa em filosofia no Brasil hoje não difere de modo significativo da rotina acadêmica internacional, senão por duas características a serem notadas: sua amplitude e diversidade, associada à dimensão do país e ao crescimento da pós-graduação, e seu isolamento do debate internacional, sobretudo por se apresentar, via de regra, em português. É interessante e paradoxal que as condições que nos possibilitam definir critérios próprios de avaliação e debater a identidade da pesquisa em filosofia no Brasil são em grande medida as mesmas que restringem a circulação e o impacto de nossos trabalhos no contexto internacional. Esse é um problema a ser enfrentado com a perspectiva de que se viabilize simultaneamente a ampla circulação de nossos trabalhos, sem que se deixe de trabalhar a língua portuguesa como língua de reflexão filosófica e de trabalho acadêmico qualificado.

Formamos no Brasil atualmente aproximadamente 600 mestres e 200 doutores em filosofia por ano, com trabalhos sobre os mais diversos temas. A pesquisa em filosofia no Brasil não se define por um recorte temático específico, ainda que alguns temas explicitem certa predominância. Ela se define por isto que fazemos aqui, agora, nestes dias de encontro da ANPOF: por se reconhecer e se configurar em um contexto comum e compartilhado, pela aceitação da provocação para o diálogo e para a construção de trabalhos supra temáticos. A impressão mais comum é de que precisamos de todas essas diversas áreas de pesquisa e de que não haveria sentido, em um país destas dimensões, em se restringir o trabalho a temas ou metodologias específicas.

Essa multiplicidade se apresenta de modo inconteste em nosso convívio durante este Encontro. Serão apresentados mais de 2300 palestras e conferências, por um grupo de mais de 1000 doutores, do qual faz parte mais de 70% dos docentes de pós-graduação do país. Nestes dias teremos a experiência singular do debate qualificado e focado de cada GT ou ST lado a lado com o contato e a oportunidade de transitar por outros assuntos, de conhecer e de se arriscar por outros vocabulários e referências. Essa experiência, da qualidade dos debates, do convívio de diversas perspectivas, da compreensão da filosofia e do trabalho filosófico a partir das mais diversas perspectivas, é um valor imenso e uma marca da identidade dessa comunidade, construída ao longo dos 33 anos de história da ANPOF. Nosso Encontro é a oportunidade de que se possa falar de uma identidade na enorme diversidade de nosso perfil. E é muito bom que se trate, então, dessa identidade não a partir de um recorte substantivo, de opiniões ou temas, mas a partir de nossa abertura, de nossas disposições e sobretudo de nossas ações. Uma identidade que não se dá como marca natural, mas que resulta de nosso esforço conjunto.

Uma grande preocupação da ANPOF tem sido buscar instrumentos que garantam a transparência e a circulação de informações sobre a pesquisa nesse novo ambiente constituído a partir do crescimento da área que foi descrito inicialmente. Os pesquisadores em filosofia no Brasil em geral se leem pouco e sabem pouco do trabalho de seus pares. A alteração da Agenda da ANPOF, a reformulação de seu site, que inda não está concluída, e o projeto de publicações dos livros do XV, XVI e, agora, do XVII Encontro têm essa finalidade. Também as reformulações na organização dos dois últimos Encontros, com a flexibilização do tempo destinado aos GTs e a ampliação significativa do tempo de que cada participante dispõe para a apresentação de seu trabalho visam qualificar o Encontro e o debate na área.

Por fim, talvez a face mais visível dessas mudanças seja a constituição da ANPOF como espaço de debate sobre temas atuais e o estímulo a que estes temas entrem na pauta dos pesquisadores e docentes. Também isto se faz evidente na agenda de conferências deste XVII Encontro, que reúne, por exemplo, ciclos sobre o contexto brasileiro atual, sobre a universidade e o Ensino Médio em meio a reformas econômicas e sobre as propostas de reforma da educação. A isso se somam as manifestações diretas que a ANPOF tem emitido através de notas, postura que se fez necessárias nesse contexto conturbado e que reafirmam seu alinhamento histórico com a defesa da democracia e da educação.

Essa descrição nos leva ao outro elemento que torna mais complexo nosso trabalho e que tem cada vez mais definido a identidade da ação da ANPOF. O Brasil tem vivido um processo de acirramento das relações políticas e de conflitos e contraposições frequentemente muito duras, não raro violentas. Este cenário já se anunciava em nosso Encontro de 2014 e motivou a introdução em nossa pauta de uma novidade: mesas de debate sobre conjuntura que provocavam nossos colegas a mobilizar sua formação e a “pensar a experiência contemporânea como problema filosófico”. Confesso, constrangido, que imaginava que o resultado do processo eleitoral atenuaria momentaneamente o ambiente de conflito. O que se observou foi o inverso, e fomos todos levados a uma escalada de disputas e confrontações em que ninguém deixou de ser tragado e ninguém se manteve neutro. A ANPOF insistiu no respeito à pluralidade, um valor fundamental que se apresenta como condição à sua existência nos moldes atuais. Isso não significou, entretanto, que ela tenha se furtado a se posicionar de modo claro e contundente em defesa de princípios gerais de respeito à democracia, ao resultado das urnas, em oposição à violência da polícia contra manifestantes e estudantes, sobretudo em SP, e contra uma proposta autoritária e retrógrada de reforma da educação – reprovável não apenas pela ameaça de exclusão de disciplinas, como a filosofia, mas sobretudo por sua identidade descompassada com a defesa de uma sociedade de mais igualdade econômica, racial, de gênero e de cultura. Nossa postura é plural. Ela só não abarca e aceita o convívio com a recusa e o desrespeito à pluralidade e ao debate.

A postura da ANPOF em seus fóruns tem sido clara e inequívoca: Defesa do Ensino Superior e da Universidade Pública, de um financiamento adequado à pesquisa, presença da filosofia no EM. E, sobretudo, defesa da democracia no Brasil, que, de maneira mínima, se apresenta como a exigência de que a pauta dos governos seja submetida às urnas, que a manifestação das urnas a esse respeito seja respeitada, a que não se sobrepõem elementos secundários, como maiorias parlamentares ou processos judiciais. A implementação de políticas públicas por quem quer que seja adquire sua legitimidade unicamente por meio da manifestação da vontade dos cidadãos desse país, de modo proporcional, através das urnas. O judiciário não tem voz na escolha de políticas públicas.

Essa inflexão de contexto dos últimos dois anos se desdobrou em uma ampliação daquela experiência de mesas de debate sobre o contexto contemporâneo nesse XVII Encontro, como pode ser observado em nossa agenda de conferências. Esta pauta sinaliza a ampliação do âmbito de ação da ANPOF, que, por sua representatividade, se apresenta hoje de modo mais firme como voz dessa comunidade e de seus valores em meio à da sociedade civil brasileira.

De uma perspectiva mais restrita à gestão da ANPOF, a valorização do debate e da pluralidade deram origem, por exemplo, à Coluna da ANPOF, espaço de que foi proposto à comunidade há algumas semanas e que foi recebido com enorme entusiasmo, seja pela possibilidade de qualificação do debate sobre conjuntura e temas atuais que ela tem propiciado, seja pelo acolhimento de posições diversificadas e polêmicas. O amadurecimento deste tipo de iniciativa tem enorme relevância para a consolidação de uma nova identidade na relação da filosofia com a sociedade e com a escola no Brasil. Foram criados também outros instrumentos para o diálogo, como o Fórum de Debates, o site da ANPOF, o novo Boletim, a Agenda, as páginas nas redes sociais.

O que encontramos e construímos juntos nesse caminho foi uma comunidade ativa na pesquisa e no debate sobre educação, sociedade, cultura, política contemporânea. Essa dinâmica de interlocução e integração, muitas vezes ainda tímida, é condição para o amadurecimento da identidade dessa enorme experiência que vivemos na filosofia brasileira hoje. Cabe à ANPOF buscar novas alternativas para que se viabilize essa integração e amadurecimento, sem que com isso se perca algo de fundamental que marca esses 33 anos de sua história: para além de divergências, às vezes profundas, essa Associação é hoje amplamente reconhecida como porta voz da pesquisa em filosofia no Brasil e como um espaço qualificado em que sua diversidade pode se apresentar em todo seu vigor. Nossa experiência é de que todos os Programas de Pós-Graduação, imediatamente após aprovados, solicitam sua filiação à ANPOF. Todos eles são, hoje, de fato, filiados e atuantes junto à ANPOF. Isto é reconhecido como parte central de sua formação e inserção na comunidade.

Um tema da pauta de debate sobre nossa comunidade deve ser destacado. Em comemoração ao dia da mulher, nesse ano de 2016 publicamos um trabalho da profa. Carolina Araújo que evidencia uma situação lamentável na condição das relações de gênero na área, tanto entre docentes, quanto entre discentes. Segundo seus dados, menos de 20% das pessoas que exercem função docente na pós-graduação em filosofia no Brasil são mulheres, e menos de 30% dos discentes são mulheres. Não é aceitável que essa área, orgulhosa de seu esclarecimento, reproduza os mecanismos mais obscuros de desigualdade e preconceito, qualquer que seja sua natureza: a discriminação de gênero, raça, regionalidade ou nacionalidade. Não por acaso, esse é o tema da mesa que abre as conferências de amanhã e espero que possamos debater e explicitar o problema. Espero também que ele esteja no centro de nossas preocupações nos próximos anos. Transformar este tipo de cenário é sempre um trabalho de longo prazo. Já é mais do que tarde para que o iniciemos.

Por tudo isso, reitero a satisfação de que esse Encontro se realize no NE do Brasil, e em um espaço público, da universidade pública, que sofre hoje tantos ataques e ameaças.

Agradeço, em nome da ANPOF, a todos vocês que estão aqui, aos nossos convidados, aos parceiros na organização, aos monitores que trabalharão conosco nestes dias. Agradeço de modo destacado a Raphaela Olveira, Daniela Gonçalves, Karinna Cesário e Fernando Aquino. Agradeço à diretoria da ANPOF, responsável pela concepção e viabilização destas políticas que exponho agora. Agradeço em especial ao Prof. Marcelo Pimenta Marques, também membro dessa diretoria, lamentavelmente falecido há pouco mais de dois meses, que, não obstante seus problemas de saúde, esteve sempre presente em nossos debates, dedicadamente preocupado com o trabalho por esta comunidade.

Devo agradecer de modo muito singular ao Prof. Vinicius de Figueiredo, que deu início a quase tudo que descrevi como sendo o trabalho das últimas duas gestões da ANPOF. O impacto de sua atuação, inicialmente à frente da ANPOF e agora como Coordenador de Área na CAPES, ocupará um lugar singular na história da Pós-graduação em filosofia no Brasil. Sobretudo porque seu exercício destas funções sempre foi marcado por um esvaziamento das relações de poder e autoridade que possibilitou a construção de um diálogo maduro e inclusivo, necessário para que passássemos com alguma tranquilidade pelo processo de mudanças na pós-graduação em filosofia no qual ainda nos encontramos.

Antes de concluir, gostaria de falar algo de um ponto de vista pessoal. Inicio hoje a despedida desse papel que tenho ocupado por quase 4 anos, e quero dizer que, apesar de minhas limitações no exercício da imensa responsabilidade que me foi atribuída ao ser eleito presidente da ANPOF, e da grande frustração associada à experiência contínua do limite daquilo que pode ser feito, agradeço pela honra que me foi concedida, de falar em nome dessa comunidade tão qualificada e que eu respeito e valorizo tanto. Ocupar essa função é motivo de inúmeras preocupações (vocês não imaginam!), mas de imenso orgulho para mim. Obrigado.

E, por fim, mas sobretudo, ainda em um registro pessoal, não posso deixar de dizer: espero que a pluralidade de opiniões, valores e narrativas deste país seja respeitada, que as eleições sejam respeitadas, que não sejam eliminados os recursos para a continuidade da expansão da educação pública e para programas sociais. Estas são questões que estão no âmbito de nossas ações políticas e que exigem de nós, sem perdão, que reconheçamos e assumamos um papel ativo em nosso cotidiano. Não devemos nos conformar com um governo ilegítimo e com a ampliação das injustiças e desigualdades em nossa sociedade. Eu quero votar para presidente!

Fora Temer!

Obrigado e um bom Encontro para todos nós.

18 de Outubro de 2016.

 

DO MESMO AUTOR

O Sagitário da Filosofia Brasileira (sobre Oswaldo Porchat)

Prof. Dr. Marcelo Carvalho

UNIFESP

22/12/2017 • Coluna ANPOF