A senioridade como ética: uma reflexão com Oyèrónké Oyewùmí

Yasmin Alcantara Galvão Pereira

Doutoranda em Filosofia pela Universidade Federal do ABC

14/12/2023 • Coluna ANPOF

O acerca do pensamento de Oyèrónké Oyewùmí vem se constituindo em larga medida sobre sua defesa de que na Iorubalândia pré-colonial não existia a categoria gênero; e sua crítica de que as teorias feministas ocidentais sobretudo as da segunda onda reafirmam a centralidade no corpo, e por conseguinte, a cosmovisão. Entretanto, as contribuições desta autora não estão circunscritas nestes dois caminhos. E é neste sentido, de abordar outras contribuições da epistemóloga iorubana, que se trata este texto.

Em What Gender Is Motherhood? Changing Yorùbá Ideals of Power, Procreation, and Identity in the Age of Modernity (2016) a epistemóloga iorubana desenvolve seu pensamento acerca de Oxum, como publicou Aline Matos da Rocha em coluna anterior[1], é em A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero (1997), que são apresentados conceitos que auxiliam no entendimento de que consiste a epistemologia cunhada por Oyewùmí. E tendo sido despontada formas de manusear e introduzir o pensamento oyewumiano através do que publicou Aline, aqui faço o movimento de dar um passo para trás e tratar do que é a senioridade e qual a sua importância.

Com a apresentação de Oyewùmí acerca da cosmopercepção na Iorubalândia pré-colonial, que consiste no modo em como os Iorubás concebiam e organizavam a sociedade de não centralizar em um sentido o meio para alçar e classificar o conhecer, de modo que a epistemologia nesta cosmopercepção concebeu que o corpo bio-lógico não era um determinante social, a anatomia corporal não determinava o papel social de alguém, logo, a materialidade do corpo estava atrelada a èníyàn -seres humanos- humanidade esta que estava ordenada pela senioridade, isto é, pela idade relativa que a pessoa detinha em relação a outrem, estando pessoa mais velha em posição hierárquica superior a pessoa mais nova.

A hierarquia não estava posta de modo fixo, o caráter de relacionalidade presente na senioridade garantia que, uma pessoa é mais nova e mais velha que alguém concomitantemente. Não existindo a prática epistemológica de visualizar o corpo para definir as diferenças sociais, para então determinar quem é a pessoa mais velha em uma relação, o conjunto de sentidos era mobilizado, notoriamente a linguagem que sem o marcador de gênero mas com pronomes que denotavam a idade relativa, expressava a senioridade.

A relacionalidade não inviabiliza pensar a senioridade como parte de uma ética, ao contrário, a existência de uma sociedade que ordenava seus papéis sociais a partir da determinação de quem era a pessoa mais velha e, portanto, detentora de maior conhecimento sobre a comunidade amplia a concepção acerca da possibilidade de liames éticos não bio-lógicos, ou seja, uma ética não determinada por uma epistemologia que o tipo anatômico postula seus liames. Por fim, a senioridade é um aspecto relevante não só na teoria de Oyewùmí, mas também permite pensarmos sobre a possibilidade de uma ética baseada em estruturas sociais cuja sejam sem dicotomias como homem x mulher, vida x morte, corpo x mente, por exemplo, e com ènìyàn, a linhagem e a comunidade enquanto referenciais dos constructos sociais.


Referências

OYEWÙMÍ, Oyèrónkè. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero; tradução de wanderson flor do nascimento, Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2021.


[1]Disponível em: https://anpof.org.br/comunicacoes/coluna-anpof/o-que-o-ensino-de-filosofia-deve-aprender-com-oxum.


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