Casos de assédios: panorama e propostas
Amanda de Almeida Romão
Mestranda em Filosofia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Larissa Farias Rezino
Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Sabrina Lasevitch Menezes
Doutoranda em Psicologia pela UFF e pesquisadora do GT Deleuze & Guattari da Anpof
17/01/2024 • Coluna ANPOF
Não são raras as vezes em que mulheres têm de enfrentar as estruturas do patriarcado que nos colocam de forma velada ou explícita em lugares de subalternidade, imagem que destoa da própria concepção que temos de nós mesmas, e então nos vemos na necessidade de falar. Falar simplesmente porque o silêncio não nos protege de nada, como diz Audre Lorde em seu texto. E é justamente pensando em transformar o silêncio em linguagem e ação que nós três, Amanda, Larissa e Sabrina, viemos trazer a pauta sobre os casos de assédios ao GT Deleuze & Guattari da Anpof. Não estamos confortáveis com essa notificação. Vivenciar e ter que tratar de assédio dentro de um grupo de pesquisadores de uma filosofia que se coloca avessa à repetição do normativo é, no mínimo, burlesco. É o sinal de que há algo muito errado na prática da teoria.
Nós três passamos por situações de desconforto e uma de assédio durante a semana de realização do último Encontro do GT. Não desejamos explicitar os casos ocorridos e nem mencionar os nomes dos envolvidos, até mesmo porque dois deles fazem parte do GT. Fazer isso seria uma exposição da nossa imagem e um desconforto em retomar o que nos aconteceu que não julgamos cabível. Cabe apenas mencionar que trata-se de insistências de homens em criar ocasiões para estarem próximos demais, num contexto afetivo ou sexual, apesar da nossa linguagem corporal, escrita e oral indicar que não queríamos nada com eles além de simplesmente estarmos naqueles espaços, sem segundas intenções. No outro caso mais limite, um dos homens chegou a tocar a perna de uma de nós durante a festa. Vale ressaltar que além da relação homem e mulher, tão injusta em todas as esferas da vida social, é ainda adicionado, no nosso caso, a relação hierárquica entre Professores versus Alunas pesquisadoras. Em que o poder e o lugar de privilégio foram usados de maneira abusiva nos casos citados.
Trazemos esse assunto de forma mais geral porque acreditamos que os membros do GT não compactuam com nenhuma forma de assédio ou desconforto com as mulheres. Já é baixo o número de mulheres nas pós-graduações deste país e poderíamos nos perguntar os motivos disso, pois se mesmo nos ambientes dedicados ao pensamento, à vida social, nos vemos no mais das vezes reduzidas simplesmente a um corpo. Não se trata de suprimir o desejo, até porque como deleuzianas que somos isso seria um contrassenso, mas sim atacar a forma baixa de pensar que nos enquadra em posições servis às figuras masculinas. Independente da forma como nos vestimos, nos eventos ou nas festas, devemos ser respeitadas. Independente da gentileza que marca uma parte de nossa existência, isso não é pretexto para ir além contra a nossa vontade, é apenas educação. Independente da evidência de que somos mulheres intelectuais e desejantes, o desejo do outro não é o senhor do nosso desejo.
Contando com a compreensão dos presentes, trazemos aqui três propostas para votação:
1. Na abertura oficial dos Encontros do GT, ter uma fala do/a coordenador/a posicionando-se contra os assédios no âmbito dos espaços de realização do evento - sejam eles as mesas acadêmicas ou festas promovidas pelo GT;
2. Utilizar parte da verba aprovada para o evento a fim de produzir alguns panfletos e adesivos para as mulheres (ouvintes e participantes) que indique um canal de comunicação com o coletivo feminista (Sabrina, Larissa, Amanda) em casos de desconforto, violência ou assédio, bem como dar orientações mais gerais de proteção em situações de risco, buscando não invisibilizar as ocorrências desses casos e fortalecer a presença de mulheres em espaços acadêmicos da Filosofia. O objetivo é tornar esse assunto presente no campo visível, fazendo com que os limites ao assédio sejam constantemente relembrados;
3. Subscrever, enquanto GT, o Protocolo de Enfrentamento da Violência de Gênero produzido pela Rede Brasileira de Mulheres Filósofas. O apoio se dará via blog do GT <https://gtdeleuzeguattari.blogspot.com/>.
Nenhuma filósofa a menos!
* A leitura do texto e apresentação das propostas foram realizadas por Amanda, Larissa e Sabrina na plenária do GT Deleuze & Guattari da ANPOF, no dia 14 de dezembro de 2023, de forma online. A votação ocorreu na sequência e contou com a totalidade de votos favoráveis, sem nenhuma abstenção.
A Coluna Anpof é um espaço democrático de expressão filosófica. Seus textos não representam necessariamente o posicionamento institucional.