Em Memória do nosso querido Oswaldo Porchat

Prof. Dr Roberto Horácio de Sá Pereira

12/12/2017 • Coluna ANPOF

É difícil para cada um de nós que o conheceu pessoalmente descrever a figura extraordinária que foi Oswaldo Porchat.

Eu o conheci em meados de 1994 por ocasião de um congresso em Florianópolis sobre ceticismo (do qual também participavam o saudoso professor Ezequiel Olaso e vários colegas discípulos e ex-alunos do nosso querido Porchat). Eu acabara de retornar da Alemanha com uma tese escrita sobre ceticismo e estava inteiramente deslocado no Brasil. Sentia-me me mais estrangeiro no meu próprio país do que no exterior. O ambiente no IFCS/UFRJ era o pior possível: havia uma guerra fria entre diversos grupos, quase todos movidos pelos dois piores vícios filosóficos: a arrogância, por um lado, e o ressentimento, por outro. Hoje, refletindo retrospectivamente sobre o meu passado, faço a minha autocrítica: em muito contribui para aquele antagonismo sem sentido. Oswaldo Porchat certamente muito contribuiu para a minha auto-crítica.

Como de hábito, perdi o primeiro voo para Florianópolis, chegando ao local do encontro quando todos já almoçavam. Recordo-me de que me aproximei à mesa meio sem-graça onde todos comiam e conversavam descontraidamente, tendo reconhecido ali apenas o professor Danilo Marcondes. Foi quando o Porchat, ao me perceber se aproximar, levantou-se e veio ao meu encontro se apresentar e me apresentar ao grupo todo. Nunca tive experiência igual de acolhimento. De imediato percebi de que eu estava diante de uma pessoa realmente especial, ímpar em todos os aspectos. Percebi naquele gesto simples todas grandes virtudes de um grande mestre: simplicidade, generosidade e afetuosidade e acolhimento.

Desde então até os últimos e-mails e telefonemas que trocamos ainda esse ano de 2017, aquela impressão inicial nunca se desfez; pelo contrário, só se reforçou: por um lado a minha grande admiração pelo filósofo, por outro meu imenso afeto pela pessoa. Ele era uma figura ímpar no nosso meio filosófico. Creio que nunca houve e nem nunca haverá alguém como ele.

Recordo-me de inúmeras ocasiões que me marcaram muito. Mencionarei brevemente duas aqui. Em uma delas, íamos a um dos muitos encontros sobre ceticismo na Universidade São Judas na cidade de São Paulo. Lembro-me apenas de que tinha redigido um manuscrito "naturalismo epistemológico" como contraponto ao Neopirronismo do Porchat que, por falta de um nome melhor, denominei de "naturalismo estoico"  (que, a bem da verdade, nada tinha de estoico). Eu elencava ali de cinco a sete teses minhas e as defendia como se fossem estoicas. Quando acabei a redação, dei-me conta do azedume polêmico - que me é típico. Enviei o texto ao amigo Paulo Faria e perguntei se apresentar aquilo não seria deselegante com o Porchat, o Plínio, o Bob e Luiz Eva etc. Ele me garantiu que não e, ademais, insistiu para que o apresentasse. Então apresentei, temendo muito a reação do Porchat. Ao fim da minha apresentação, ele, como de hábito, abriu o debate e me disse: "Roberto, discordo de cada palavra, de cada vírgula do que você disse, mas tenho que reconhecer que você é um mestre da apresentação". Nunca conheci ninguém mais generoso.

Recordo-me também de uma outra ocasião em São Paulo, ANPOF. O nosso tempo era escasso. E um dos nossos colegas, agora não me lembro quem, me disse que iria tomar apenas cinco minutos e ficou falando por 40 minutos. E o Porchat, que seria o próximo se apresentar (aliás com um dos seus melhores trabalhos: "o argumento da loucura"), estava ficando cada vez mais ansioso. Para acalmá-lo, puxei um assunto nada ameno: a segunda invasão no Iraque. Imediatamente ele se enrubesceu e toda a filosofia e o ceticismo sumiram do seu semblante: ele passou a esbravejar como um adolescente contra as guerras imperialistas estadunidenses. Ali eu conhecia o Porchat esquerdista. 

Junto com Bento Brado Jr, Porchat foi responsável pela criação de uma prosa filosófica em língua portuguesa no Brasil. Seus textos são verdadeiras pérolas sem, obviamente, descuidar da argumentação. Ademais, Porchat foi o primeiro a romper com a ideologia do estruturalismo francês, segundo qual a filosofia estaria morta e só caberia a nós o estudo da sua história. Neste sentido, coube ao Porchat inaugurar não apenas uma leitura original do pirronismo, mas ao mesmo tempo fazer de tal leitura uma filosofia própria.

No nosso último contato por telefone, convidei-o a fazer parte simbólica daminha banca de progressão à titular. Ele se disse muito honrado e me agradeceu muito pela lembrança. Fez-se um silêncio e percebi que ele se emocionara como que pressentindo a morte eminente.  Infelizmente, ele veio a falecer antes da minha defesa. Por tudo que ele representou e representa para mim, dediquei-lhe o meu memorial.