Especial 8M - FILBRAS: Um convite para pensar nossas filosofias
Letícia Bello
Doutoranda em Filosofia na UFSM
Yasmin Nobre
Doutoranda em Filosofia na UFSM
20/03/2025 • Coluna ANPOF
Em colaboração com GT Mulheres na História da Filosofia e Laboratório de Filosofias Brasileiras (FILBRAS)
“Enquanto eu tiver um pedaço de papel e um lápis, eu vou escrever”
Carolina Maria de Jesus - Quarto de Despejo, 1960.
O Laboratório de Filosofias Brasileiras (FILBRAS) foi fundado e é coordenado por Letícia Bello e Yasmin Nobre, doutorandas em filosofia na Universidade Federal de Santa Maria. Criado em 2024, o Laboratório destina-se ao estudo de mulheres brasileiras na filosofia, e surge enquanto uma busca por respostas a questões que, apesar de historicamente silenciadas, ainda ecoam alto em nós. Enquanto filósofas mulheres, vivenciamos o silenciamento secular, que resulta no ocultamento, apagamento e menosprezo de nossos conhecimentos em todas as dimensões sociais. A História da Filosofia, por sua vez, carrega em suas estruturas esse mesmo silenciamento, manifestando-se por meio da estabilidade do cânone filosófico e, consequentemente, nos currículos acadêmicos, tanto no ensino superior quanto no médio.
Desse modo, ao perceber que a filosofia feita por pessoas como nós – mulheres brasileiras – não era legitimada, reconhecida ou mesmo conhecida, decidimos nos juntar aos esforços de uma gama de outros pesquisadores e pesquisadoras no Brasil e contribuir para a construção de uma História da Filosofia que contemple as produções de mulheres filósofas brasileiras.
Apesar da existência das Leis 10.639 e 11.645, que tornam obrigatório o ensino da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas brasileiras, estas não se concretizam de modo efetivo, e nota-se um silêncio ensurdecedor sobre esse assunto nos currículos de licenciatura em filosofia das Universidades. Diante desse cenário, nasce o FILBRAS, fruto de uma construção dialética entre nossas pesquisas, que são decoloniais e feministas, e a reflexão sobre o cânone filosófico e o modo de abordá-lo na educação básica brasileira. Nos espelhamos em diversos grupos contra-hegemônicos que têm crescido no cenário institucional filosófico, como a Rede Brasileira de Mulheres Filósofas, Uma Filósofa por Mês (UFSC), o Grupo de Mulheres e Pessoas Trans: Explorando a Filosofia através da Escrita (UFSM) e o GT Mulheres na História da Filosofia da ANPOF, entre outros.
Nossa proposta é pensar filosofia a partir de alguns conceitos-chave: primeiro, salientamos que nosso objetivo é adotar uma perspectiva feminista interseccional. Todo o exercício filosófico que propomos passa por chaves de interpretação fundamentadas nos conceitos de interseccionalidade, decolonialidade ou/e contra-colonialidade, haja vista que é impossível falar do Brasil sem pensar em gênero, raça e classe como padronizações que resultam da Matriz Colonial de Poder (Mignolo, 1992). Questões essas que são constantemente invisibilizadas no currículo formal das universidades brasileiras, tanto no curso de bacharelado quanto na licenciatura em filosofia.
Diante dessa situação vigente, estabelecemos algumas parcerias que nos impulsionaram a buscar um método de pensar essa filosofia desde o Brasil (Julio Cabrera, 2010), mas que não se limite à institucionalização do saber. O primeiro movimento do FILBRAS foi uma aproximação com a professora Drª Alba Curry (University of Leeds), que é pesquisadora em literatura comparativa e Filosofia Chinesa. Desenvolvemos um artigo em co-autoria que deve ser publicado no fim deste ano, no qual traçamos aproximações e diferenças entre uma filosofia chinesa e uma filosofia brasileira, como um método de análise comparativo de filosofias que são estruturadas e coexistem ou/e resistem à filosofia tradicional. Nesse artigo, também trabalhamos a institucionalização da filosofia no Brasil, com referências a artigos de alguns professores que estão estudando essas pautas há muito tempo (iremos deixar os links dos principais artigos no fim deste texto, caso se interessem). Pensamos, ainda, nos impactos da filosofia africana e indígena para que se tenha ferramentas conceituais e metodológicas de uma filosofia brasileira. Assim, a parceria com a Drª Curry é de grande valia para nos impulsionar na pesquisa e diálogos para além do que nos é comumente ensinado como filosofia acadêmica.
O segundo movimento do FILBRAS ocorreu em novembro de 2024, com um evento intitulado “Filosofia desde o Brasil: uma reestruturação ou um novo cânone?”. Foi um momento importante de troca e aprendizado com a comunidade. Algo que temos aprendido com um proceder filosófico feminista decolonial é que o princípio africano “ubuntu, eu sou porque nós somos” deve ser uma prática ética da investigação filosófica, ou seja, uma ação contrária ao que comumente é esperado da filosofia, que tende a isolar o indivíduo.
Nesse evento, contamos com diversas pesquisadoras em diferentes perspectivas filosóficas: algumas mais ligadas ao movimento de construção de uma História Feminista da Filosofia, e outras mais atreladas às discussões de filosofia Africana-Brasileira, o que agregou muito à discussão e permitiu uma troca de saberes que foi de grande aprendizado para todas nós. Caso se interesse em conhecer as pesquisadoras e pesquisadores que palestraram, basta entrar em nossa página @filbras no Instagram.
Em 2025, começamos o projeto “Uma Filósofa Brasileira por Semestre”, que tem o nome inspirado no projeto “Uma Filósofa por Mês”, coordenado pela professora Drª Janyne Sattler, professora do departamento da UFSC, a qual nos deu anuência para o uso, e somos gratas. Sendo assim, nosso foco atual é o desenvolvimento desse projeto que, em seu início, almejou trabalhar uma filósofa por semestre, mas, devido ao número de pessoas que aderiram à nossa proposta, teremos, neste semestre, o estudo de três grandes filósofas brasileiras:
(I) Lélia Gonzalez – coordenado por Ma. Yasmin Nobre;
(II) Josefina Alvarez de Azevedo – coordenado por Ma. Letícia Bello;
(III) Beatriz Nascimento – coordenado por Ma. Mariana Neves, que veio a somar conosco nessa empreitada filosófica.
Nossos objetivos são conhecer as filósofas escolhidas e seus contextos, debater suas ideias, publicar verbetes e artigos sobre as mesmas, mas, sobretudo, oferecer um espaço em que pesquisadoras se sintam acolhidas para pensar filosoficamente a partir de onde pisam os seus pés – pensar uma filosofia que faça sentido para a realidade vivenciada por nós cotidianamente. Objetivamos, assim, estudar, escrever, debater e publicar um conhecimento que resulte de nossas demandas filosóficas desde o Brasil e que apresente questões, soluções, caminhos e perspectivas para problemas que nos assolam diariamente.
De modo geral, objetivamos tão simplesmente conhecer nossa própria filosofia. Ficamos à disposição para novas parcerias e projetos. Nosso principal meio de divulgação é a página do Instagram, onde mantemos a comunidade informada de nossos eventos, projetos e discussões.
Bibliografia
FANTON, Marcos et al. Philosophical research in Brazil: A structural topic modeling approach with a focus on temporal and gender trends. Metaphilosophy, v. 55, n. 3, p. 457-501, 2024.
DE JESUS, Rodrigo Marcos. A modernidade e suas sombras: problemas historiográficos no ensino de filosofia. Filosofia e Educação, v. 10, n. 1, p. 90-120, 2018.
DEFOORT, Carine. Katholieke Universiteit Leuven. Philosophy East & West, v. 56, n. 4, p. 625-660, out. 2006.
MACHADO, Adilbênia Freire; BÂ, Amadou Hampaté. Filosofia africana e currículo. Aproximações. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, n. 18, p. 4-27, 2012.
PUGLIESE, Nastassja. A questão do cânone no ensino da história da filosofia. O que nos faz pensar, v. 28, n. 45, p. 402-413, 2019.