Manifesto Coletivo de Filósofas Negras
23/11/2021 • Coluna ANPOF
Somos um coletivo de mulheres negras filósofas. Nosso Coletivo é um espaço de compartilhamento e diálogo sobre nossas experiências pessoais, de ensino e pesquisa no campo da Filosofia. Dispondo da interseccionalidade como ferramenta analítica de investigação e práxis crítica, estamos comprometidas com o enfrentamento do racismo e do sexismo que incidem sobre as mulheres negras no contexto acadêmico filosófico e igualmente com o enfrentamento do epistemicídio no contexto de nossa formação acadêmica. Acreditamos que assim podemos construir e incorporar perspectivas mais amplas sobre o ensino e pesquisa em Filosofia, e assim aliar o comprometimento individual com o nosso percurso acadêmico-profissional ao engajamento político de discussão e transformação coletiva.
Orientadas por uma pedagogia engajada que tem como princípio a educação como prática da liberdade, acreditamos e defendemos a Universidade como importante lugar de conhecimento e construção de consciência crítica. Em que pese as consideráveis mudanças ocorridas no ambiente acadêmico nos últimos anos, este continua sendo pouco diverso, seja no que concerne aos discentes, seja no conteúdo epistêmico ofertado. O que faz com que nós não nos sintamos representadas nem identificadas no percurso filosófico que empreendemos ou pretendemos empreender. Lutamos para que o ambiente acadêmico possa ser um espaço acolhedor e de práticas pedagógicas anticolonialistas, antirracistas, críticas e antisexistas. Queremos ter a abertura e a liberdade para desenvolvermos nossas pesquisas, seja no cânone filosófico ou para além dele.
A pesquisa “Mulheres na Pós-Graduação em Filosofia no Brasil” (2016) foi o catalisador para discussões sobre a desigualdade de gênero nos departamentos de Filosofia em todo país, ocasionando o expressivo aumento, nos últimos anos, de realização de eventos sobre mulheres e filosofia e esforços de quantificação da presença das mulheres na Filosofia em todos os aspectos, enquanto alunas, professoras, referências bibliográficas e temas de pesquisa. É inegável a importância desses movimentos, no entanto consideramos que os esforços de quantificação e diagnóstico do perfil de mulheres filósofas no Brasil devem estar atentos a outros marcadores sociais para além do gênero. É necessário o reconhecimento dos múltiplos determinantes que constituem o sistema interligado de apagamento e silenciamento de mulheres na história da filosofia, de modo a compreendermos a nossa situação específica de mulheres negras no ensino de Filosofia no Brasil.
Com isso visamos construir uma compreensão mais complexa sobre a situação das mulheres na Filosofia e igualmente convidar homens e mulheres acadêmicas ao questionamento sobre a motivação de suas pesquisas, sobretudo no que concerne às discussões éticas de privilégio de raça e gênero. Nós mulheres somos múltiplas e múltiplos são nossos processos de socialização e formação acadêmica, de modo que o olhar sobre o silenciamento e rompimento das barreiras da invisibilidade no ambiente acadêmico não deve ser encarado de forma monolítica.
Como mulheres negras, queremos falar e ser ouvidas. Queremos ocupar espaços de poder, queremos que nossas pesquisas sejam respeitadas e valorizadas.
De início, nossas ações envolvem:
· Mapeamento das mulheres negras, alunas, professoras e pesquisadoras no campo da filosofia e suas respectivas áreas de atuação e temáticas de interesse e estudo;
· Encontros periódicos de troca de informações acerca de nosso percurso filosófico, a fim de que possamos integrar a análise crítica com a discussão de experiências pessoais;
· Elaboração de estratégias de enfrentamento de situações de racismo, desigualdade de gênero no ambiente acadêmico;
· Fomento de práticas que contribuam para a diversificação da bibliografia curricular em todos os níveis de ensino e pesquisa em filosofia;
· Formação de grupos de trabalho de acordo com as temáticas e áreas de atuação para o fortalecimento de nossas pesquisas, bem como manutenção e afirmação dos estudos nas áreas temáticas escolhidas no interior das instituições nas quais estamos vinculadas. Pretendemos ainda fomentar a produção de trabalhos nestes grupos, com encontros periódicos, para a apresentação em eventos e publicação de textos e artigos.
· Fortalecimento e ampliação de redes de diálogo com organizações, instituições e coletivos que atuam no âmbito dos nossos interesses e objetivos políticos.
· Articulação de ações de valorização da disciplina no ensino médio, tendo em vista ser este o espaço de atuação profissional de grande parte dos estudantes e pesquisadores em filosofia no Brasil.
· Fortalecimento de ações de inclusão do ensino de cultura e história africanas e afro-diaspóricas, em atenção à legislação vigente, que prevê através da lei 10.639/03 o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nos níveis fundamental e médio de ensino.
· Incitação à construção de ações de conscientização e denúncia do assédio no ambiente acadêmico, em parceria com outras organizações e coletivos que porventura atuem com essa temática nos espaços nos quais circulamos.
· Afirmação o nosso compromisso com a defesa dos direitos das comunidades LGBTQIA+ e o repúdio à homofobia e discriminações correlatas.
· Considerando a importância das contribuições das comunidades indígenas para o país, e em acordo com a lei 11.645/08, estabelecemos o compromisso de estimular o desenvolvimento de ações que visem o acesso e a visibilização das produções intelectuais das comunidades indígenas no âmbito filosófico.
· Afirmamos a nossa oposição ao capacitismo e consideramos uma de nossas ações fundamentais o incitamento à promoção do acesso de pessoas com deficiência no debate público e espaços de conhecimento como universidades.
· Interpretamos as ações afirmativas como importante mecanismo de promoção da diversidade racial no ambiente acadêmico. Com isso, propomos a defesa dessa política pública no âmbito da graduação e pós-graduação, assim como no que concerne à contratação de docentes nas instituições de ensino básico e superior.
Nos move a identidade política de enfrentamento ao racismo e ao sexismo no ambiente acadêmico e demais espaços de produção do conhecimento. Estamos comprometidas com ações políticas que visem à liberdade criativa associada ao rigor filosófico nas produções intelectuais a que nos propomos.
Por fim, pretendemos que este Manifesto seja um convite à ampliação do conhecimento e efetivo compromisso com as pautas antissexistas e antirracistas no âmbito filosófico.
Subscrevem este manifesto:
Adriana de Paula, SEEDUC, RJ
Alice Lino, UFR
Ana Carolina Magalhães Gonzaga, UNB
Bárbara de Barros Fonseca, IFB/UnB
Camila Souza, UFRRJ
Caroline Louise do Nascimento Soares, UFMG/Paris 1 Panthéon-Sorbonne
Daniele Neves do Nascimento, UESPI
Débora Barreto Costa Lima, UFS
Débora Campos de Paula, UFRJ
Elizângela Inocêncio Mattos, UFT
Francineide Marques, UFBA
Gisele Rose, SEEDUC, RJ
Halina Macedo Leal, FURB
Jeane Vanessa Santos Silva, UFSC
Karina Ferreira Silveira, UFPel
Laís Alves do Nascimento, UNIFAP
Laíssa Ferreira, Unicamp
Lays Poliana, UFRRJ
Lorena Stefane Mendes Rezende, UFMG
Maria Fernanda Novo, USP
Mônica de Jesus Silva, UESC
Rejane Matos, NEIM/UFBA
Renata Belarmino de Araújo, Unicamp
Renata Dias Ribeiro, UFS
Simone Borges, UFBA
Tainan Conrado de Sousa, UNIFESP
Tamires Pessoa dos Santos, UFBA
Thaís Rodrigues de Souza, docente IFG/UNIFESP
Yasmin Nobre da Silva, UFMT
Zoraia Ribeiro dos Santos, UdeM/Canadá