Manifesto contra a estetização linguística da filosofia: a prioridade da internacionalização face a uma holografia nacional

Eduardo Novaes

Mestre em filosofia pela Universidade Federal da Bahia

11/10/2023 • Coluna ANPOF

à Cátia Rosana, minha mãe

Nascido a 25 de fevereiro de 1988, datado escrevo. Com a filosofia, porém, uma névoa emana e, ante pretérito – presente – futuro, o eterno espelha, incide, promana algo que não ele mesmo se não o mesmo. Dessa dupla negação, padece a história da filosofia, em seu tempo, aos seus contemporâneos. Aristóteles dialoga com Platão e com isso temos duração e átimo, um ao lado do outro. Ou não? Assim como tenho esse monólogo interior comigo mesmo ao tempo que insinuo a atemporalidade desse texto que, prometo aos ouvintes da corte, será curto, dobro, redobro e incido numa linguagem a fim de construir. Origamis, holograma. Sim, a filosofia é uma construção. Dirijo-me porém a arte da holografia pois meu alvo é a contínua moeda de troca da moda de nosso tempo. E a negação do valor da filosofia da sua consequente estetização tem esse mal-estar de ser abstrato. Pois bem, digo da estetização da filosofia realizada no Brasil da língua inventariada a fim de legar um tratado sobre problemas filosóficos – nego, de imediato, portanto, que exista uma filosofia brasileira e, contra Bento Prado Jr., que há problemas estruturantes em sua afirmação enquanto coexistente, pois localizada. Com a literatura sim temos movimentos, direções, contrariedades estruturais, paisagismos estilísticos e Bento parece servir-se da tradição que concilia literatura e filosofia em seu fazer. São elementos ausentes na filosofia produzida no Brasil três: historicidade formal, ondulações em narrativas de estilo e fratura na visão de mundo. De um ponto de vista lógico.

O que nos resta desse opróbio de gregos, latinos, alemães, franceses e agora nossos ameríndios acadêmicos? Devaneio. So typical you: tupi or no tupi is the question. Passamos a jejuar no artesanato da filosofia, na confecção. A percepção tem uma impressão interna, uma impressão externa e a expressão que é a contrapositiva do índice da nomeação, ou batismo, e a estrutura ao reconhecimento do que chamo, com Deleuze, de percepto. Um percepto exige uma lógica da regularidade da natureza a fim de conservar o seu estatuto de condição de vivência do significado. A filosofia, à época de Hume, por exemplo, ainda tinha esse sabor típico de comer o mundo aos poucos, sem negar algo que Bento constata, logo de início, em O problema da filosofia no Brasil, próprio da filosofia, como universidade. Da dialética negativa da contrapositiva que a expressão da percepção geral possui aparece o desempenho do percepto em três níveis de discurso, que não é o meu objetivo amiudar - ao menos nessa ocasião. É nessa atmosfera de sonho que Palatnik instala as luzes que dão cores à linguagem da arte brasileira. A plasticidade não é cerebral, é heterográfica. Situa-se em três dimensões, sem que com isso escape ao jogo da figura e do pano-de-fundo, do ponto de vista do espectador, a dimensão de profundidade, eixo e coordenação gradual. A camada de realização do artesanato, cousa da filosofia, deixa seu caráter perceptual e linguístico colonizado e passa a ser interno a uma filiação. Deixo, enfim, de sonhar. A representação da trinca perceptual forma e envolve a ligação entre a percepção com o seu cálculo na língua.

Não é preciso deixar de tecer articulações linguísticas da dupla camada forma/conteúdo para descrever a inflação da linguagem que a filosofia sofreu – e contínua a sofrer no último século. Por outro lado, todos gostamos de uma tradução bem feita do francês ou do ‘isto’ do dêitico anglo-germânico. É, porém, o rito da paidéia que precisa recuperar, na criação, a índole de servidão autossacrificada autorretratada em sua estética. Mas como construir um holograma? Todo argumento tem uma premissa embora nem todo arranjo forme um argumento mesmo que possua expressão. O avesso do avesso por exaustão ou esgotamento das possibilidades de sentido da linguagem. Sabemos, porém, que não é toda forma linguística que possui uma forma ou um conteúdo que conduza miss Daisy ao seu destino lógico por uma série de negações de conceber os seus juízos e ideias. Então, como?

Se é possível haver algo que se apresente como uma estética com raízes na linguagem, então um dos caminhos possíveis, julgo, para afirmação nacional de sua expressão é através do velamento das camadas de expressão na descrição da obra de arte. Toda obra artística tem um ponto de vista que é contrário ao seu pano-de-fundo, como uma figura e a sua paisagem retratadas num quadro de Van Gogh. A moldura, por sua vez, percebida, entra em contraponto, ao espectador, do recheio retratado. Então, a estética filosófica da linguagem deve tecer um caminho entre o que vela e ao que se desvela e que se desvela ao se velar. Temos assim um caminho para expressar um modo do colonizador europeu compreender as questões que nos inquietam. 

Desejemos nos ater ao conteúdo da obra de arte e a objetividade que nos serve a linguagem perde-se. Teoria crítica, então, não é teoria da arte ou crítica de arte. As três dimensões que envolvem o objeto artístico de uma estética nacional também se encontram presentes na coordenação de atribuição de valores de verdade de uma conjunção de uma proposição complexa que, em noso retrato, encontra-se com duas variáveis, podendo ser muito bem à corroboração da profundidade na assimilação da falsidade, do que se vela ao percebido, com a descrição do verdadeiro, do que se desvela ao caráter do aspecto, outrora percebido em uma alternância. Assim, quando vemos a significação de uma obra de arte que se situa além do jogo do verdadeiro e do falso, é a lógica da linguagem que deve se ater a princípio de enunciação do que na análise estética é passível de falseamento. Assim, em t' percebemos uma circunstância em que q se vela, conceituando-se ao falsear-se, ao desvelar a possibilidade de asserção de p falsa ou verdadeiramente, a depender do contexto de profundidade e escamoteamento da estrutura geral da obra. É simples, então, proceder na análise lógica que, sem que nos atenhamos a isso, reduz-se, num prolongamento da análise, à retórica presente na enunciação das muitas camadas significativas da experiência geral da estética.

Para concluir esse texto que caracteriza o modo como a Semana de 22 pode nos ajudar a pensar a nova realidade das artes no Brasil, uma apresentação de uma estética que se sirva da linguagem jamais deve esquecer da sujeição das artes ao tempo e ao espaço. Se o cinema é privilegiado por reduzir a um ponto a projeção da superfície da linguagem em três dimensões, jamais podemos esquecer que nos jogos de linguagem das nossas apresentações de mundo na literatura, por exemplo, do Grande Sertão: Veredas, o tripé cultura, universalidade e linguagem cedem forma à construção nacional de uma análise do regionalismo romântico e modernista. É preciso, para rememorar o sempre atual Bento, reduzir a inflação da linguagem através de um cálculo intuído na língua, da lógica de nossa linguagem e o proveito que a linguísticação produz na contraposição artística entre descrição e objeto enamorado na multiplicação de valores em simetria na análise estética.

DO MESMO AUTOR

Dogma

Eduardo Novaes

Mestre em filosofia pela Universidade Federal da Bahia

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