O traço pedagógico da filosofia

Janilce Silva Praseres

Pós-doutoranda em Filosofia na Universidade da Beira Interior

06/02/2023 • Coluna ANPOF


“Para ensinar sempre é necessário amar e saber;

porque quem não ama não quer; e quem não sabe não pode.”

Padre António Vieira

No grego, a palavra «filosofia» traduz «amor à sabedoria», philia sophias. «Segundo uma tradição referida por Plutarco (...) e Cícero (...), que remontaria a Heraclides do Ponto, ouvinte de Platão, Pitágoras teria sido o primeiro a utilizar a palavra filósofo e filosofia (... amor da sabedoria)». Assim, a filosofia significa amor ao pensar, amor pelo saber e esta definição etimológica é a mais conhecida, muito embora a filosofia tivera outras definições importantes ao logo da história do pensamento.

A partir da etimologia da palavra filosofia é inerente e, até de certa forma, uma condição: amar - amar à sabedoria. E isto tornar-se ainda mais necessário e relevante quando diz respeito ao ensinar a filosofia. Como que se ensina filosofia? A filosofia é ensinável? Qual o seu traço pedagógico? A filosofia é apenas mais uma disciplina entre outras? Estas são questões que se devem ter em consideração àqueles que se dedicam ao ensino da filosofia, visto estes serem também, no conjunto de uma sociedade, os responsáveis por formarem as gerações, por formarem os jovens para exercerem o seu papel na sociedade.

Conforme o Padre António Vieira, no texto Filosofia e ensino secundário em Portugal, toda Pedagogia pressupõe a Filosofia. E ensinar ou possibilitar um saber tão rico em especificidade como é a filosofia, para um público diverso, jovem e ainda inicial neste tipo de saber é um grande desafio. É preciso ter atenção a pedagogia, a didática para a difusão do saber filosófico, assim, a filosofia sob o formato de uma disciplina curricular do Ensino Médio pressupõe e exige a reformulação didática desse saber especializado, de forma que seja convertido em objeto de ensino. E esta é a tarefa específica do professor de filosofia, com objetivo de produzir um discurso pedagógico, pelo qual a tradição filosófica possa converter-se em saber ensinável. Com o objetivo de despertar o interesse dos alunos por um saber que não produz resultados práticos imediatos, mas que possui uma relevância ímpar para a ação do ser humano.

De tal forma, a Didática tornar-se primordial, esta compreende a «ciência ou arte de ensinar», mas também é preciso ter atenção a etimologia da palavra, em grego didaktikós corresponde ao saber ensinar; didaktos que seria o ensinado; o didaskein que remete ao por ensinar/por aprender. E a Didaskália refere-se à instrução, disdascália na Grécia antiga, instrução do poeta a seus intérpretes. A didáctica é a «parte da pedagogia que tem por objeto o ensino». A partir dessas definições e variações da etimologia da palavra didática podemos compreender o professor enquanto agente, ou seja, a didática compreendida como ação do agente (do professor) no processo de aprendizagem do aluno na construção do aprender, da observação, da perceção do mundo e das coisas.

Por meio da didática o professor poderá aplicar o seu saber teórico e intuitivo, para melhor avaliar como os alunos aprendem, como refletem os problemas propostos e a compreensão das tarefas ou dificuldades. Ao atender a questão tão relevante da didática, o professor também deve aliar a esta e ter atenção ao método aplicado, «de meta e hodós ‘via, caminho’», «esforço para atingir um fim (...), caminho pelo qual se chega a determinado resultado». De tal forma, constituir a sua didática e o caminho para fazer com que a aprendizagem aconteça.

Um dos maiores exemplos de pedagogia na filosofia, remete a figura de Aristóteles que foi um dos mais importantes filósofos da antiguidade grega e continua sendo na contemporaneidade. A partir da visão da Política tem-se, o seu ideal de Educação, a partir de uma triangulação: realismo, observação e classificação. Na conceção aristotélica a criança é incompleta e deve-se ter cuidado ao educá-la, pois, o seu desenvolvimento é ainda prematuro e precisa-se de uma formação contínua para que se torne apta. O conjunto da obra de Aristóteles apresenta diversos conceitos úteis para a reflexão da prática pedagógica. Na Ética a Nicômaco encontramos a discussão dos princípios e a finalidade da educação do cidadão centrada na prática de bons hábitos (virtudes) em vista da felicidade individual. Já na Política, compreende que a inserção do educando na polis (cidade), dá-se pela instrução, a Paidéia.

Já conforme o pensamento platónico, o ser humano ao integrar-se é preciso uma harmonia para o bem-comum da cidade e para isto, há que haver uma educação para tal, é assim que a questão da paideia surge, em sentido da formação integral do homem, da paideia antiga, inspirada em Homero. Na qual, se pretendia a formação alicerçada com certas virtudes, mas Platão desejava uma paideia mais elaborada, que houvesse a preparação integral de cada ser humano para o seu papel na cidade, não havendo somente satisfação de interesses individuais, mas o interesse do todo da cidade. Para tanto, desejava-se uma cidade virtuosa, mas para isto, é necessário antes que a humanidade seja de tal forma virtuosa, é preciso, então, cultivar uma educação para a virtude.

A noção aristotélica de que a criança é um ser incompleto e que é preciso cuidado ao educá-la, ajuda-nos a refletir sobre o papel fundamental do professor. Atualmente, o professor muito mais do que um exemplo a ser seguido, deve, sobretudo, ser um orientador, ao propor as atividades para o ensino da filosofia de forma estruturada (conforme os requisitos legais para a disciplina), o professor deve ser capaz de dar a conhecer os conteúdos, não simplesmente como transmissão de conhecimento, mas orientando o aluno para a aprendizagem dos conteúdos, mas também para a reflexão sobre estes conteúdos,  uma  vez que os alunos devem ter a capacidade de formar as suas próprias posições perante o mundo e os problemas que lhe são postos.

«A especificidade da Filosofia não ser ensinável como outra disciplina qualquer, conduz também a uma vantagem nas aulas de Filosofia como processo de formação e reflexão. É o indivíduo que se descobre, que encontra em si “o talento da razão” (Kant: 1985), é ainda ele que se reconhece nessa “razão” que “tem de procurar esses próprios princípios”. A sociedade de informação e os recursos que se oferecem a qualquer aprendente são elementos facilitadores dessa formação e desse encontro com a Filosofia e com o campo específico e abrangente da cidadania. Também aqui o indivíduo constrói o seu conhecimento e também este se apresenta como uma construção pessoal, crítica, filosófica e única.»

Em relação ao que nos interessa em particular, a filosofia no Ensino Médio, o ensino da filosofia para adolescentes e jovens representa um esforço para a construção de uma sociedade pluralista, democrática e que tenham como valores o respeito pelas diferenças. Ao professor cabe fazer um autêntico trabalho de partilha com os seus alunos, não só para orientação de atividades, mas também com o intuito de incentivar o “espírito” próprio da Filosofia, da crítica, da reflexão, do debate. É preciso transformar a sala de aula num espaço privilegiado de diálogo e de debate, para assim, desenvolver a promoção da filosofia. 

DO MESMO AUTOR

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