Opinião

Luís Estevinha

Professor do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Ceará

13/06/2024 • Coluna ANPOF

Por vezes passa para a sociedade uma imagem muito distorcida dos professores universitários. É normal. A internet está a abarrotar de ignorantes – sim, ignorantes, no mais puro sentido anti socrático e sofistico da palavra – que criticam e invejam a putativamente maravilhosa e despreocupada vida acadêmica (e pessoal) dos aludidos professores. Pior, esse sentimento ignóbil e equivocado que reflete uma falsa realidade é exacerbado em tempos de greve, especialmente por desconhecimento de causa ou por razões políticas. Alguns destes ignorantes e pouco sensatos influenciadores de meia-tigela, muitos dos quais nem português correto sabem escrever, bradam que nós, professores privilegiados do Magistério Superior, aquando das greves estamos no céu. Estamos de braços cruzados, nas nuvens fofinhas, alegadamente coçando a cabeça e outras partes do corpo, enquanto recebemos somas assombrosas no final do mês. Nada de mais equivocado. Explico-me.

Deste que começou a greve docente na minha universidade, à qual aderi, a única coisa que deixei de fazer academicamente foi dar aulas. Mas só tolos e ignorantes acreditam, ou fazem que acreditam, que as tarefas de um professor se esgotam nas aulas que ministra. As aulas são apenas um dos componentes, muito importante, é certo, talvez até o mais importante, das tarefas académicas, de pesquisa e administrativas levadas a cabo por um docente do Magistério Superior. Só para os ignorantes terem uma ideia mais realista, nestes 50 dias de greve já finalizei e submeti dois artigos a periódicos, já preparei o esboço de um livro, já avancei mais dois artigos, já procedi a orientações, já participei de comissões de avaliação administrativa, já li dissertações e teses em cujas comissões de avaliação irei participar; já para não mencionar que irei a partir da próxima semana ajudar um colega a organizar um evento internacional financiado por de uma agência de fomento à pesquisa. Então, meus caros ignorantes anti socráticos do sei que nada sei que ele nunca mencionou explicitamente, no que tange a mim e, acredito sinceramente, no que tange à maioria dos outros docentes como eu, vocês estão redondamente enganados! Nós, docentes, nunca deixámos de trabalhar na greve ou fora dela, por vezes muito mais até do que as corriqueiras oito horas por dia (até tirei um pouquinho para escrever este artigo e opinião para os ignorantes do costume, se bem que duvido que eles o leiam, de tão agarrados que andam às redes sociais da futrica, do Tik Tok e do Only Fans. 

Ah! Sim, mas, alegam os ignorantes, eu recebo mais do que muita gente. Sim, comparativamente, não me posso queixar, claro. Os ignorantes apelam aqui ao princípio da igualdade simpliciter e ao pseudo justo nivelamento por baixo. Um erro crasso! Eles deviam apelar, mas não sabem, é aos princípios da paridade e da equidade – em termos de mérito, investimento e trabalho. Essa discussão levar-nos-ia muito longe. Felizmente, não precisamos fazê-la aqui, pois esses princípios bem plausíveis estão consagrados há muito na Constituição Brasileira e no bom senso de uma fatia considerável da sociedade.

Estou de greve, sim, mas continuo a trabalhar para o bem comum! Deixem de ser ignorantes, por favor.


A Coluna Anpof é um espaço democrático de expressão filosófica. Seus textos não representam necessariamente o posicionamento institucional.