Possíveis caminhos para o ensino de Filosofia

Prof. Dr. Christian Lindberg

UFS

24/02/2023 • Coluna ANPOF

O novo ensino médio (NEM) completa, em 2023, 6 (seis) anos de aprovação. Sem dúvida, ele já é uma realidade em todos os estados, afetando o cotidiano de milhões de estudantes e professores em todo o país. Como se sabe, as mudanças foram estruturais. 

Desde a aprovação da lei nº 13.415/2017 e da homologação da Base Nacional Comum Curricular para o ensino médio (BNCC/EM), em 2018, diversas entidades do movimento social (UNE, UBES, CNTE, etc.) e associações científicas, a exemplo da ANPOF, discordam da forma e do conteúdo do novo ensino médio. Por isso, pedem sua revogação.

Com a mudança do cenário político nacional, há uma expectativa de que algumas políticas públicas educacionais sejam revogadas, entre elas, o NEM. Todavia, os depoimentos do ministro da educação, Camilo Santana (PT), apontam para a direção de que pode haver uma reforma da reforma. Em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, no dia 25/01, ao responder uma pergunta sobre o novo ensino médio, afirmou: “Tivemos avanços importantes na reforma. Há pontos em que há questionamentos por parte de alguns setores. E a ideia é que possamos fazer uma avaliação”. Para a Revista Veja, no dia 27/01, respondeu que é “a favor de avaliar os resultados desse modelo. Sei que está bem no princípio e precisamos de mais dados. O fato é que nem esse nem qualquer outro debate podem ser pautados pelo filtro ideológico, que acaba por ofuscar a visão. O melhor caminho é sempre consultar as pesquisas e ouvir o que diz a ciência”.

Tem sido correta a postura da ANPOF em reivindicar, em parceria com as demais sociedades científicas da área de Humanidades (ANPUH, AGB, ABECS, ABEH), a revogação do novo ensino médio. Por mais que tenha ocorrido a expansão na taxa de matrícula em escolas em tempo integral na última etapa da educação básica, principalmente nos estados do Nordeste, o NEM tem demonstrado ser uma grande fraude, provocando mais desigualdade na garantia constitucional do direito à educação. 

A falta de estrutura nas escolas, o déficit de professores, a substituição de disciplinas científicas por conteúdos exóticos (O que rola por aí?, Start! Hora do desafio!, Brigadeiro caseiro, etc.), a ampliação de componentes curriculares sem aderência com o ENEM provocou um caos nas escolas e a insatisfação geral.

No caso específico da Filosofia, quando a MP nº 746/2016 foi publicada, a ANPOF promoveu um amplo debate em seus canais de comunicação. Havia uma sensação de que, com a perda do status disciplinar, a Filosofia teria sua carga horária reduzida ou até mesmo seria extinta do ensino médio. Além disso, argumentava-se que os conteúdos de Filosofia seriam fragmentados e diluídos nas áreas do conhecimento.

Seis anos depois, o que se previa, acabou acontecendo. Muito embora os referenciais curriculares dos 26 estados e do Distrito Federal tenham mantido o caráter disciplinar da Filosofia na formação geral básica, levantamento feito pelo Observatório do Ensino de Filosofia em Sergipe (OBSEFIS) constatou que houve a redução da carga horária (CH) no referencial curricular em 15 estados. Em outros 10, ela foi mantida e houve acréscimo apenas em dois (Sergipe e Amapá).

A redução da carga horária tem trazido impactos diretos na vida do professor de Filosofia. O principal deles é o desvio de função. Componentes curriculares como Projeto de vida e disciplinas eletivas estão sendo lecionados por profissionais formados em Filosofia, o que torna seu vínculo empregatício mais precarizado e a qualidade do ensino debilitada.

No entanto, o que fazer se a campanha pela revogação do NEM for exitosa? E se o MEC abrir um consulta pública e a comunidade filosófica nacional, através da ANPOF, for convidada para propor ajustes na atual legislação para o ensino médio? E se o NEM não for nem reformado, muito menos revogado? 

Tenho a sensação de que é preciso ter resposta para os três cenários possível. Como se sabe, a luta política nem sempre contempla nossos desejos, muito menos nossas. Pensando em possibilidades, desenvolverei um exercício imaginativo e especulativo sobre possíveis rumos para o ensino de médio no âmbito das políticas públicas e, por tabela, a inserção da Filosofia na última etapa da educação básica.

A primeira possibilidade é fazer com que a Filosofia volte a ser disciplina obrigatória na educação básica. Há iniciativas em curso e/ou que podem ser provocadas. Uma encontra-se no Congresso Nacional, que é o projeto de lei nº 2579/2019, de autoria do senador Romário (PL), que torna obrigatório o ensino de Filosofia e Sociologia no ensino médio. Os colegas de Língua Espanhola, mobilizados em torno do Movimento #FicaEspanhol, estão conseguindo lograr êxitos na Câmara dos Deputados com um projeto de lei que torna obrigatório seu ensino. 

De igual modo, na esfera estadual, projetos de lei que indiquem a obrigatoriedade da Filosofia como disciplina nos referenciais curriculares estaduais pode ser proposto nas Assembleias Legislativas. Há também o espaço dos Conselhos Estaduais de Educação.

No campo das possibilidades, a tentativa de mitigar os danos causados pelo NEM não pode ser negligenciada. Embora não seja o caminho mais desejado, o abrandamento dos impactos da reforma não deixa de ser uma forma de resistência e de disputa da hegemonia em cada escola. Para tanto, é preciso identificar meios para introduzir conteúdos de Filosofia no ensino médio, seja na formação geral básica ou nos itinerários formativos. 

A terceira possibilidade considera o cenário da revogação do NEM. É bom ficar alerta ao fato de que os defensores do NEM estão afirmando que revogá-lo significa a volta ao arranjo curricular antigo, com 13 disciplinas estanques e sem nenhuma relação com o mundo do trabalho. Mentira.

Em caso de revogação ou até mesmo uma eventual reforma da reforma, penso que é válido retomar a discussão propositiva com base em alguns documentos que foram construídos, com níveis distintos de participação da sociedade, nas esferas do poder Legislativo e poder Executivo antes do golpe de 2016. São eles: 1) A segunda versão da Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio; 2) O PL nº 6840/2013, de autoria do deputado federal Reginaldo Lopes (PT/MG); 3) O documento intitulado Direitos à aprendizagem e desenvolvimento da educação básica: subsídios ao currículo nacional, elaborado pelo Grupo de Trabalho sobre Direitos à Aprendizagem e ao Desenvolvimento (GT DiAD/MEC).

Tenho a sensação de que é válido aprender e extrair ensinamentos da experiência da escola pública em nosso país. De forma mais específica, da rede federal de educação básica, que é composta pelos Colégios de Aplicação (CAP’s), Institutos Federais (IF’s), CEFET’s e Colégio Pedro II. Esta rede, segundo a OCDE, equipara-se com o que há de melhor em termos de qualidade de ensino no planeta.

Para concluir, o ensino médio precisa passar por uma reforma de verdade. Ele precisa ser inserido em um projeto de nação, onde o crescimento econômico, a promoção do desenvolvimento social e a responsabilidade com a democracia e o meio ambiente caminhem juntos. 

Nesse contexto, o retorno da obrigatoriedade da disciplina Filosofia, com carga horária compatível para ser filosoficamente ministrada em sala de aula e professores com formação específica, é fundamental. Caso isso venha a ocorrer, aumenta a expectativa de que o estudante constitua-se enquanto cidadão, qualifique-se criticamente como profissional e aprenda a conviver em uma sociedade democrática.

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