Quem Tem Medo da Filosofia?
André Leclerc
Professor Titular da UnB
15/12/2023 • Coluna ANPOF
Recentemente, o Secretário de Justiça e Cidadania do governo Tarcísio de Freitas (São Paulo), atacou a Filosofia e a Sociologia em discurso público – como foi feito inúmeras vezes durante os quatro anos do precedente governo federal – durante a Conferência Estadual da Juventude de São Paulo. O alvo do Secretário, supostamente, é o sindicato dos professores “que dão aulas vagabundas de filosofia e sociologia”. Mas, curiosamente, os mesmos professores, ao que parece, não dão aulas vagabundas de geografia, biologia ou física... A reação dos alunos presentes foi imediata e estrondosa: “Fora daqui!” É lamentável que alguém que se considera uma liderança (afinal, ocupa um cargo de Secretário num governo estadual), tenha que levar uma bronca de alunos de ensino médio. Mas Fábio Pietro – é o nome dele – não criou vergonha na cara, não saiu de cena e continuou com histórias de uma relevância duvidosa (como aquela do sorvete soviético de um só sabor...). Podemos apostar, seguramente, que ele não foi orador de sua turma quando recebeu seu diploma. Não sei o que as aulas de matemática e português – das quais ele parece se orgulhar tanto – fizeram com ele, mas com certeza elas não o aproximaram da altiloquência.
Pessoas autoritárias querendo o poder sem discussão não gostam da filosofia e das ciências humanas em geral. A filosofia é perigosa. Ela tem um poder de transformação que nenhuma outra disciplina tem. Ela não tem um objeto específico. Uma formação filosófica completa deve incluir aulas de metafísica, ética, lógica, epistemologia, filosofia política, filosofia da ciência, da linguagem, da mente, e o estudo de ideias e teses filosóficas aparecendo no decorrer de dois milênios e meio de uma história fascinante. Ela oferece cultura geral, e fortalece as habilidades lógicas e argumentativas, além do discernimento crítico. O liberalismo político de Locke e Stuart Mill, e o marxismo tiveram uma influência decisiva sobre a evolução dos sistemas políticos, da modernidade até hoje. A teoria da justiça de Rawls teve uma forte influência sobre a magistratura, particularmente nos Estados Unidos. A “era da informação”, que transformou a economia mundial e nossos hábitos de trabalho e de lazer foi possível graças às reflexões filosóficas de um matemático inglês (A. M. Turing) e de um filósofo e lógico estadunidense (A. Church). As interações máquina-pessoa melhoraram muito graças à teoria dos atos de fala elaborada por filósofos. É cansativo ter que lembrar esses truísmos para justificar o lugar da filosofia na academia, ela que está na origem da própria ideia de academia. Mas não é totalmente inútil, considerando o baixo nível cultural dos bolsonaristas.
Isso dito, o mais importante não são as possíveis aplicações resultantes das investigações filosóficas. A principal transformação operada pela filosofia, aquela que realmente importa, é o que a filosofia faz com quem se engaje seriamente nela. Jovens engajados em cursos de filosofia tendem a se tornar cidadãos e cidadãs esclarecidos(as), com o discernimento de quem não se deixa enganar facilmente. Para fascistas e neofascistas que sempre usaram a mentira como arma e estratégia de poder, a filosofia representa uma inimiga terrível. Eles têm poderes, e estão presentes em vários países. A boa notícia nesse contexto, é que a Terra é redonda, e não plana. Essa loucura toda vai passar. Até lá, vamos defender o que somos e o que fazemos. Temos como esboçar uma boa resposta e falar com a sociedade.
A Coluna Anpof é um espaço democrático de expressão filosófica. Seus textos não representam necessariamente o posicionamento institucional.