Radar Filosófico: Mulheritude
12/09/2023 • Coluna ANPOF
Mulheritude é um conceito criado por mim, como proposta de resposta ao machismo e ao sexismo, necessária para o momento. Apesar das conquistas alcançadas pelos movimentos feministas do passado, continua ainda sendo pesado ser uma mulher nos dias atuais.
Mas, para introduzir esse assunto, precisamos pontuar que há diversos tipos de mulheres e com várias necessidades diferentes. Por isso, cada vez mais , torna-se difícil definir o que é mulher. Contra uma perspectiva sexista, defendo que mulher é um conceito sociológico, que reúne pessoas que sofrem violência de gênero, da mesma forma como sofrem esse tipo de violência as pessoas que não se identificam ou que não se enquadram no binarismo homem/mulher. Ou seja, o que reúne essas mulheres diversas em relação à raça, classe, orientação sexual e estilo de vida, é a violência simbólica, física, sexual, material e psicológica, a partir da relação hierárquica homem/mulher.
Diante disso, muitas foram as perspectivas dos movimentos feministas, mas sempre com ênfase no inquestionável fato de que é um privilégio ser homem em uma sociedade patriarcal, machista e sexista. Uma das principais correntes, desenvolveu a perspectiva de que, para dar um fim a esses privilégios vergonhosos, as mulheres deveriam ser como os homens, no modo de agir, de pensar, de sentir. Foi assim que mulheres conquistaram o direito ao voto, o mercado de trabalho e também modificaram seus modos de se vestir, tais como o uso de calças, de cabelo curto e até mesmo de gravata. Um processo importante, na luta por diferentes modos de vida das mulheres, mas que, no momento atual, é preciso ultrapassar, pois, de certo modo, esse movimento desconsiderou algumas histórias não escrita de mulheres, histórias essas de protagonismo e de resistência, além de impregnar um sentido pejorativo às coisas de mulher, como se tudo que era atribuído a elas fosse brega, frágil e burro.
É nesse contexto que penso na Mulheritude, pois defendo que, para a conquista da igualdade de oportunidades, é preciso um movimento e aprendizado de toda a sociedade (homens, mulheres e não binários), em relação ao que chamamos de coisas de mulher. Para que as mulheres possam ter mais tempo para atividades de seu interesse, é preciso que todas as pessoas assumam o compromisso da valorização dos trabalhos domésticos e do cuidado, bem como da gerência desses trabalhos. Se, nossa sociedade produz tanto supérfluo, precisamos diminuir a carga horária do trabalho dito produtivo. Ou seja, mais importante do que lutar por melhores salários é a luta pela redução do tempo de trabalho fora de casa. Ainda torna-se necessária a valorização por todas as pessoas das coisas chamadas como “de mulher": a paciência, a sensibilidade, a fofoca (instrumento de resistência). Outra característica que precisa ser valorizada em contraposição aos ideiais ascéticos é a sensualidade. Nossa sociedade capitalista, em nome de um produtivismo, conseguiu fazer até mesmo com que o sexo fosse visto como algo feio e sujo.
Ou seja, a Mulheritude é uma perspectiva de subversão de estereótipos do gênero mulher, por compreender que a violência simbólica influencia todos os outros tipos de violência. Além disso, tento mostrar que estereótipos de alguns tipos de mulheres recaem sobre outros tipos e os controlam, por isso a importância da sororidade. Valorizar o que está desvalorizado é o que precisamos no agora, para atingirmos um futuro em que mulheres possam viver suas singularidades, sem o peso da opressão.
O texto que falo sobre isso de forma mais acadêmica foi publicado em dezembro de 2022 no livro “Ensaios de Filósofas Brasileiras", no capítulo: “Feminismo: o âmbito ôntico e o âmbito ontológico” (não há disponibilização online).
Ana Gabriela Colantoni é professora de filosofia da UFG – Câmpus Goiás. Tem doutorado na Unicamp com estágio sanduíche na Universidade de Paris X. Pós-doutorado na UFU. É vice-coordenadora da Coletiva Feminista GSEX, integrante da comissão de heteroidentificação e coordenadora do projeto de extensão Literatura e Filosofia.
O texto pode ser lido no livro ''Ensaios de filósofas brasileiras (Série Encantos de Alteridade)''. Acesso para leitura do texto neste link.