Entrevista com Rafael Mello Barbosa criação do Programa de Mestrado Profissional em Filosofia e Ensino do CEFET-RJ

Rafael Mello Barbosa

Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

03/02/2016 • Entrevistas

Agradeço à diretoria da ANPOF, em especial ao seu atual diretor, Dr. Marcelo Carvalho, que gentilmente realizaram esta entrevista, a qual nos permite apresentar um pouco do nosso trabalho a toda comunidade de professores e pesquisadores de filosofia do país.

Gostaria igualmente de agradecer ao incentivo e apoio do Dr. Carlos Henrique Figueiredo, Diretor Geral do CEFET/RJ, e ao Dr. Pedro Calas Manuel, Diretor de Pesquisa e Pós-Graduação do CEFET/RJ.

Por último, gostaria de agradecer a todos os professores do CEFET-RJ e os das instituições parceiras que vêm colaborando de formas variadas para a criação e para o sucesso do programa[1].

ANPOF: Quais as linhas de pesquisa do Programa e o que você diria que define a sua identidade?

Rafael: A preocupação com a reflexão sobre ser professor de filosofia é o ponto de articulação do qual derivam as linhas de pesquisa, as disciplinas do programa e é o que reúne professores e estudantes. Ser professor de filosofia é uma questão por vezes deixada de lado, como sendo de menor importância, contudo, para os professores que compõem o quadro docente deste programa, esta questão é percebida como constitutiva do que fazemos e acabamos por ser.

Uma das razões que nos leva a valorizar essa questão decorre do fato de a filosofia receber, no seu nascimento helênico, o sangue e princípio délfico, o que equivale a dizer que ela é fundamentalmente reflexiva; o eco da sentença “conhece-te a ti mesmo” (ostentada na porta do templo do oráculo de Delfos) reverbera por toda filosofia. Também no mito de Édipo, quando a Esfinge lhe exige resposta ao enigma (“Qual é o animal que pela manhã anda com quatro pernas, à tarde, com duas e, à noite, com três?”), transparece novamente a questão da filosofia. Édipo, protótipo do sábio, julga responder bem quando diz “o homem”. Contudo, não percebe que esta resposta suscita uma nova pergunta, que ele sequer consegue antever: a pergunta cuja resposta é “o homem” em geral, passa a ser a pergunta pelo homem que Édipo é.. A origem délfica da Esfinge torna-se clara quando se percebe que, no seu enigma, subjaz um segredo insuspeito: a pergunta “quem és?”. E, por sua dupla ignorância (da pergunta e da resposta), Édipo é “devorado” pelos acontecimentos.

Além disso, como sabemos todos, existe uma longa tradição, da qual Sócrates é um expoente, que considera a Filosofia uma atividade que implica, entre outras coisas, um exame minucioso de si mesmo, sob os mais diversos aspectos, isto é, conhecer-se enquanto um ser natural, enquanto um ser cognoscente, enquanto um ser de linguagem, enquanto um ser ético, enquanto um ser estético... Assim, para todos aqueles que compartilham da assunção de que a filosofia é uma atividade reflexiva, é fácil concluir que, ao professor de filosofia, é necessário investigar o sentido de ser isso que ele é, professor de filosofia.

Conquanto o Mestrado Profissional em Filosofia e Ensino do CEFET/RJ tenha como ponto articulador essa questão concernente a ser professor de filosofia, o programa não se restringe a refletir e pesquisar somente sobre isso. Ter essa questão como ponto articulador implica dizer que não há como evitar lidar com ela, como também que ela não é a única na ordem de questões a serem trabalhadas. Um exemplo disso é quando um professor entra em sala de aula e precisa lecionar sobre uma série de temas para além do “ensino de filosofia”. –Assim, julgar que um Mestrado Profissional em Filosofia e Ensino deva se circunscrever somente aos problemas envolvidos no porquê e no como ensinar filosofia é ignorar que um professor de filosofia deve, cotidianamente, lidar com uma série de outras questões. Da mesma forma, não julgamos interessante reduzir o mestrado profissional a mestrado profissionalizante, uma vez que o intuito não é ensinar como ser professor de filosofia, mas sim estimular a reflexão aprofundada acerca dessa prática. Grosso modo, o objetivo não é profissionalizar o estudante (a licenciatura atende a esse objetivo), e sim incentivar profissionais a aprimorarem e refletirem detidamente sobre sua atuação.

Diante disso, não fica difícil ver e compreender as duas primeiras linhas de pesquisa: “Teoria e Prática do Ensino de Filosofia” (dedicada a investigar os sentidos, as histórias, as estratégias, os diversos meios e modos de ensino de filosofia) e “História da Filosofia para o Ensino de Filosofia” dedicada a aprofundar temas e questões da história da filosofia, sem perder de vista a sala de aula). O objetivo dessa segunda linha não é conduzir à redução das complexas elaborações de célebres filósofos para a compreensão mais rasa de crianças e de adolescentes. Ao contrário, busca-se permitir que pesquisadores se aprofundem em determinado tema, de modo que tal aprofundamento lhes permita falar (bem como criar instrumentos e estratégias didáticas) para diversos públicos, dos mais exigentes, que requisitam explicações detalhadas, aos menos exigentes.

A última das três linhas de pesquisa, “Questões políticas, sociais e culturais envolvidas no Ensino de Filosofia”, procura incorporar diversas questões e problemas interdisciplinares e transdisciplinares que atravessam e cercam o universo escolar, e que por vezes ultrapassam o escopo da filosofia. Tal linha de pesquisa de caráter multidisciplinar favorece a relação e aproximação dos professores-pesquisadores de filosofia com os das diversas disciplinas escolares, como também aprofunda a compreensão sobre a estrutura escolar e o lugar do professor no Brasil. Deste modo, tais profissionais são preparados para uma atuação mais efetiva dentro e fora de sala de aula.

Os estudantes do nosso programa podem escolher qualquer uma das linhas de pesquisa para realizarem a dissertação. Além do trabalho de pesquisa, eles devem perfazer oito disciplinas trimestrais, sendo ao menos uma de cada linha de pesquisa. As demais disciplinas serão escolhidas pelo estudante em conjunto com o seu orientador, atentando-se para o objeto de pesquisa do estudante e a linha de pesquisa em que ele se insere.

ANPOF: O CEFET/RJ tem agora um novo Programa de Mestrado Profissional em Filosofia e Ensino aprovado pela CAPES. Quais as principais novidades que o Programa apresenta?

O nosso Programa traz algumas de novidades. Em primeiro lugar, ele procura ser um espaço de pesquisa e reflexão aberto para professores de filosofia do ensino superior e do ensino básico, com ênfase para este último. A ênfase se deve às más condições e aos meios escassos para esses profissionais manterem-se estudando e pesquisando. O Programa de Mestrado Profissional em Filosofia e Ensino e a Pós-graduação Lato Sensu em Ensino de Filosofia constituem um amplo espaço de discussão sobre a questão “ser professor de filosofia”, e que está aberto para todos os professores, inclusive àqueles que desejam voltar a estudar. Caso consideremos a filosofia uma atividade, e o ensino de filosofia o ensino desta atividade, será necessário que todo professor de filosofia pratique e pesquise, pois se julga que pode ensinar melhor aquele que se exercita na prática que ensina.

Outra novidade, decorrente do que dissemos até agora, é que no Programa de Pós-Graduação em Filosofia e Ensino estamos preocupados e ocupados em pensar (em consonância com a nossa diversidade docente e discente) aquilo que pode ser chamado de didática especial para o ensino de filosofia. Se ensinar filosofia implica o ensino de uma atividade reflexiva, o professor de filosofia deve ser capaz de mostrar com suas aulas o que é fazer filosofia e o que é realizar essa atividade reflexiva. As atividades realizadas em sala de aula devem se aproximar da filosofia e permitir, a cada vez, filosofar melhor; por isso, nenhum professor de filosofia pode abandonar a reflexão sobre como ensinar. Em outras palavras, o professor de filosofia não pode pretender refletir apenas sobre o conteúdo e abandonar a forma, julgando que a forma não influi no e altera o modo como o assunto vai ser compreendido. Assim, como não é difícil ver que métodos diferentes propiciam alteração do conhecimento final, também não é difícil ver que os meios usados para ensinar são igualmente determinantes.

Nisso, pode-se ver que, por princípio, damos grande valor à autonomia do professor de filosofia. É o professor de filosofia quem deve decidir sobre os objetivos, objetos, meios, modos de suas aulas. É ele que deve ser coerente consigo mesmo, é dele a exigência entre o pensar, o dizer e o fazer. Por isso, o melhor seria que todo professor tivesse condições de refletir e elaborar do melhor modo possível os seus cursos, sem se valer necessariamente de formatos prontos.

Nesse sentido o PPFEN contribui novamente. Além da dissertação, como nos mestrados acadêmicos, o estudante, para auferir o grau de mestre, precisa entregar também um Processo ou Produto Didático. Todo estudante deverá elaborar algo factível de ser usado em sala de aula, tanto por ele como por qualquer outro professor. Quando digo “usado”, não quero dizer ser aceito completamente e utilizado sem reservas, mas apropriado para recorte, modificação e inserção em novo contexto. Todos os processos e produtos, juntamente com a pesquisa que os embasa, estarão amplamente disponíveis para consulta e uso na página virtual do Programa, juntamente com periódicos que incentivarão publicações similares.

ANPOF: Como você vê o papel a ser desempenhado pelo Programa do CEFET no contexto da consolidação da área no país e, em particular, no SE?

Rafael: Talvez o principal papel do PPFEN seja o de valorizar os professores do ensino básico, mostrando que todo professor de filosofia pode se envolver com pesquisa e que lecionar na escola básica não implica demérito profissional e alijamento acadêmico. O Programa também se dedicará a mostrar que professores da escola básica podem aliar ensino e pesquisa e cumprir,adequadamente, tanto os requisitos para se tornarem especialistas, mestres e doutores, como as exigências necessárias para criarem um Programa de Pós-Graduação reconhecido pela CAPES, como é o nosso caso.

Além disso, na mesma medida em que valorizamos o trabalho dos professores de filosofia do ensino básico, não podemos ficar inertes diante das suas condições materiais de atuação; por isso, um dos nossos papéis é, também, ser mais um instrumento de luta por melhores condições de trabalho de todos os profissionais da educação.

Não é difícil ver que, entre outros obstáculos, a consolidação da área de Filosofia passa pelas melhorias das condições de trabalho dos profissionais da área, assim como pela inclusão, no diálogo nacional e na pesquisa acadêmica, dos professores de filosofia da rede básica, que, em termos percentuais, estão consideravelmente mais alijados do diálogo e da pesquisa do que os professores do ensino superior. Secionar a área em produtores e reprodutores de conhecimento não a fortalece, caso consideremos que fazer Filosofia demanda reflexão e autonomia. A consolidação da área requisita, evidentemente, o aprimoramento de todos aqueles que dela participam; por isso, todas as medidas para incluir os professores de filosofia do ensino básico no diálogo nacional e na pesquisa academia auxiliam essa consolidação, principalmente em um contexto em que tais profissionais estão “tradicionalmente” afastados da pesquisa acadêmica e do diálogo com seus pares.

A preocupação com o ensino de filosofia ajuda a consolidar externamente a área, na proporção que os estudantes do ensino básico (futuros profissionais de diversas áreas) passam a ter desejo, apreço e respeito pela Filosofia.

Não podemos esquecer, também, que a Filosofia é uma prática de exame de si segundo diversas perspectivas, e, como tal, preocupa-se sobremaneira com a formação humana. Por isso, a Filosofia pode contribuir substancialmente com a prática escolar, assim como com os diversos órgãos de política educacional. Não há dúvidas de que, quanto mais a área de Filosofia puder se dedicar à pesquisa e à reflexão sobre a sua inserção na educação básica do país e no desenvolvimento desta, quanto mais puder interagir com as instituições escolares e com a formulação de políticas educacionais, mais a área será fortalecida com esses processos. Não serão os filósofos que resolverão o problema da educação brasileira, contudo, a educação básica brasileira não está em condição, hoje, de recusar a ajuda de ninguém.

Por fim, espero sinceramente que este seja um Programa que suscite e permita a discussão franca, entre professores e futuros professores, de tudo aquilo que concerne à nossa profissão. Por isso, aproveito a oportunidade para convidar todos os professores interessados para dialogarem conosco. Além dos eventos anuais abertos ao público, os interessados podem nos procurar pelo e-mail: secppfen.cefet.rj@gmail.com

INFORMAÇÕES SOBRE O PROGRAMA:

Nome completo do Coordenador e e-mail para contato: Rafael Mello Barbosa. outrorafael@hotmail.com

Data prevista para o próximo processo seletivo e início das aulas: 

Em geral final de outubro, início de novembro. Início das aulas em fevereiro ou março

Lista de docentes que compõem o Programa:

PERMANENTES:
RAFAEL MELLO BARBOSA 
ANTONIO MAURICIO CASTANHEIRA DAS NEVES 
TAIS SILVA PEREIRA 
EDUARDO AUGUSTO GIGLIO GATTO 
FELIPE GONCALVES PINTO 
FILIPE CEPPAS DE CARVALHO E FARIA 
NARA MARIA CARLOS DE SANTANA 
MARIA CRISTINA GIORGI
ROBERTO ZARCO CÂMARA
FÁBIO SAMPAIO DE ALMEIDA
RENATO NOGUERA

COLABORADORES:
MARCELA BORGES MARTINEZ
JOÃO ANDRÉ FERNANDES DA SILVA
LUIS CÉSAR FERNANDES DE OLIVEIRA
EDGAR DE BRITO LYRA NETTO 
MARCELO SENNA GUIMARÃES 


Mais informações:

https: http://dippg.cefet-rj.br/index.php?option=com_content&view=article&id=213&Itemid=218
 


[1] Muitos são os professores que participam e participaram direta e indiretamente na criação do Programa de Pós-Graduação em Filosofia e Ensino. Além dos professores do CEFET/RJ sem os quais nada seria possível, agradeço a todos os partícipes que são tantos que é melhor apenas citar as instituições parceiras: CP2, PUC-RJ, UFRJ, UFRRJ, UNIRIO e UERJ.