Anpof publica nota repudiando violência de gênero em parecer do CNPq

30/12/2023 • Notas e Comunicados

A Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia repudia publicamente a violência de gênero sofrida pela professora e pesquisadora da área de Ciências Sociais Maria Carlotto, da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo. A pesquisadora concorreu ao edital de bolsa produtividade do CNPq e em um dos pareceres ad hoc obteve avaliação negativa por não ter realizado, recentemente, pós-doutorado no exterior. Segundo o parecer, isso ocorreu porque 'provavelmente suas gestações atrapalharam essas iniciativas, o que poderá ser compensado no futuro’.  Além da realização de pós-doutorado não ser critério para concessão de bolsa PQ, o teor da avaliação é misógina e desconsidera a prerrogativa do próprio CNPq de incentivo à submissão de mães pesquisadoras.

O CNPq se pronunciou no dia 27/12 com a seguinte nota "tal juízo é inadequado tanto porque um estágio no exterior não é requisito para a concorrência em tal edital quanto por expressar juízo preconceituoso com as circunstâncias associadas à gestação. Não é, portanto, compatível com os princípios que regem as políticas desta agência de fomento. A agência tem em suas normas, inclusive extensões de períodos de bolsa e de avaliação em decorrência de maternidade".

A pesquisadora poderá recorrer da avaliação, mas a violência sofrida não se apaga com uma reconsideração. Afinal, essa é apenas uma violência das muitas que as mulheres sofrem cotidianamente para realizar suas pesquisas no Brasil na busca por manter o nível de excelência exigido pelas agências de fomento e programas de pós-graduação. Tudo isto compatibilizando as tarefas de cuidado com a produção acadêmica.

A diretoria da ANPOF se prontificou a organizar uma comissão para estudar e propor, a partir de 2024, práticas de combate ao machismo e misoginia nos programas de Pós-graduação em Filosofia no Brasil. Seguindo o exemplo do protocolo proposto, recentemente, pela Rede Brasileira de Mulheres Filósofas, o objetivo é construir e encaminhar um conjunto de medidas que podem ser utilizadas nos processos seletivos. Temos claro que em uma estrutura social na qual as práticas machistas e misóginas são persistentes, é necessário refletirmos e formularmos medidas para que o quadro da desigualdade de gênero seja corrigido. 

Assim, na construção deste documento, visamos reunir estratégias e critérios que podem ser utilizados nos processos seletivos dos programas de pós-graduação em Filosofia, bem como nos concursos de admissão de docentes e bolsas produtividade a fim de proporcionar uma avaliação mais integral do perfil da pessoa que pesquisa. Compreendemos que a garantia da excelência da pesquisa brasileira não se constrói com avaliações que refletem e contribuem para a desigualdade e exclusão no nosso país. Posturas excludentes e misóginas vão na contramão da riqueza intelectual, favorecem sempre um mesmo perfil profissional, reduzem a profundidade e desconsideram a complexidade que uma pesquisa verdadeiramente comprometida não pode abdicar.