Carta à ANPOF em defesa do ensino de filosofia - de Luca M. Scarantino, Presidente da Federação Internacional de Sociedades Filosóficas (FISP) (texto em inglês em hiperlink ao final do texto)
Adriano Correia
Professor da UFG e pesquisador do CNPq
17/04/2020 • Notas e Comunicados
Professor Adriano Correia
Presidente da ANPOF
Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia
Milão, 03 de março de 2020.
Caro colega,
É um privilégio para mim compartilhar com vocês algumas reflexões sobre a possível mudança nas perspectivas educacionais recentemente apresentada pelas autoridades brasileiras.
Recebemos informações inquietantes sobre uma diminuição contínua da presença da filosofia e das ciências humanas no sistema educacional de seu grande país. Ao mesmo tempo em que esperamos que essa mudança seja apenas temporária, a FISP está apoiando o esforço das comunidades acadêmicas brasileiras para enfrentar uma tendência potencialmente tão devastadora.
Há de se concordar que um adequado equilíbrio disciplinar deve ser uma meta de todos os sistemas educacionais. No entanto, existem boas e oportunas razões pelas quais a filosofia e as humanidades em geral devem não apenas ser preservadas durante todo o processo de aprendizado, mas também ser consideradas como disciplinas centrais de qualquer sistema de instrução que reconheça a importância de entender a natureza multifacetada de todas as coisas humanas. Elas proporcionam habilidades educacionais fundamentais, incluindo a capacidade de análise crítica, o talento para perceber a complexidade social e cultural de qualquer empreendimento humano e a flexibilidade intelectual que desempenha um papel tão importante em um mundo cada vez mais diversificado.
Essas capacidades não devem ser um recurso exclusivo de grupos intelectuais e de elite; pelo contrário, elas deveriam ser consideradas como um direito comum de todos os jovens cidadãos do mundo, independentemente de origem social, nacionalidade, classe, gênero ou religião. Enquanto ingredientes essenciais para uma vida pessoal e profissional bem sucedida, tais capacidades deveriam ser concebidas como componentes cruciais da educação contemporânea.
É por isso que gostaríamos de expressar a crescente preocupação das comunidades acadêmicas e de estudiosos do mundo com o perigo de debilitação do papel crucial que a filosofia e as humanidades desempenham na educação de nossas crianças. Há uma razão pela qual as humanidades, e a filosofia em particular, têm sido um componente constante de todos os sistemas educacionais ao longo da história da cultura ocidental e para além dela. A redução de sua capacidade de oferecer uma educação sólida a todos os jovens, do ensino médio à universidade, não melhora a capacidade de nossas crianças de alcançar uma vida boa e exitosa; não as ajuda a florescer, nem as leva a um caminho de triunfo e sucesso; pelo contrário, prejudica a capacidade delas para competir em escala global, enfraquece sua capacidade de se ajustar a um mundo em mudança e ameaça seriamente suas chances de melhorar seu status social e econômico.
Estamos cientes de que as escolhas e políticas educacionais pertencem às autoridades nacionais e ao povo do Brasil. No entanto, como cidadãos de um mundo comum, a educação das gerações mais jovens é uma questão de interesse universal. É também por isso que preocupações semelhantes foram manifestadas por outros colegas no mundo iberoamericano e fora dele. Como presidente da maior entidade de filosofia acadêmica do Brasil, você pode desejar compartilhar essas reflexões com nossos colegas no Brasil e respeitosamente levá-las à consideração das autoridades e da sociedade brasileiras.
Saudações cordiais,
Luca M. Scarantino
Presidente da FISP