Nota de Pesar do GT Filosofia e Gênero pelo falecimento de Nilcéa Freire

10/01/2020 • Notas e Comunicados

Em tempos de tantos retrocessos e pisadas autoritárias sobre os avanços democráticos para o país, falar de Nilcéa Freire torna-se parte da recomposição da História de alguns desses avanços.

Nilcéa inicia seu engajamento cidadão na década de 1970 quando foi militante do partido comunista brasileiro, condição que a levou a se exilar por alguns poucos anos retornando ao país e se somando às demais cidadãs e cidadãos que lutaram pela redemocratização. Mas é a partir de 1996, como vice-reitora da UERJ, e na gestão seguinte, como reitora que Nilcéa inicia uma atuação institucional que marcaria sua trajetória pública de combate à desigualdade social, ao racismo e à misoginia. Como primeira mulher reitora no país, Nilcéa marca sua diferença no engajamento de confronto institucional às desigualdades institucionais, iniciando um sistema de cotas para estudantes de escolas públicas e de baixa renda e, em seguida, como também o fez a UNB, iniciando sistema de cotas de inclusão racial. Esses sistemas de cotas constituiriam uma mudança enorme na configuração do perfil de estudantes universitários e do acesso às universidades, que posteriormente foi oficializada como política de Estado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No governo desse mesmo presidente Nilcéa Freire tornou-se a primeira Secretária Nacional de Políticas para Mulheres (SPM). Com envergadura de ministério, a Secretaria (SPM) e assumiu o protagonismo nas políticas de combate à violência doméstica, sendo responsável pela defesa e implantação da Lei 11. 340 - Lei Maria da Penha, que dispõe sobre as violências domésticas. Ainda no âmbito da SPM foram formalizadas a garantia e oferta de serviços de assistência, orientação e acolhimento das mulheres vítimas de violências, da estrutura jurídica e do aparato social para acolher denúncias e promover justiça às violências contra mulheres. Um recado estava sendo dado ao país: há que se pôr fim à disparidade de gênero e à cultura misógina que assola esse país dia e noite. Nilcéa soube, ainda, conectar o combate ao racismo ao combate ao sexismo e à misoginia reunindo as categorias políticas “raça” e “gênero” como partes da produção das violências e desigualdades sociais. Ainda como secretária/ministra da SPM Nilcéa promoveu e referendou conferências públicas que deram origem ao Plano Nacional de Políticas para Mulheres e às articulações institucionais contra a criminalização do aborto e direitos sexuais. Mais recentemente Nilcéa integrou o movimento feminista nacional organizado como partidA Feminista, iniciado no Rio de Janeiro em 2015, junto com a também valorosa Marielle Franco e demais feministas que integraram esse movimento, marcando as cenas de mobilização, debates e reivindicações contra as desigualdades socioeconômicas. Por todas essas razões externa-se nesta nota profunda gratidão e respeito ao engajamento de Nilcéa Freire. A essa cidadã, médica feminista, professora, pesquisadora e defensora da justiça social nosso reconhecimento filosófico pela aposta no feminismo como ferramenta analítica e política contra as injustiças, mostrando que teoria e prática podem e devem seguir juntas e justificarem uma a outra. Nilcéa fez história nas políticas publicas brasileira e deixa saudade de sua presença firme, porém entusiasta e alegre, àquelas e aqueles que, em algum momento e por diversificados vínculos, com ela puderam confrontar as desigualdades e injustiças de uma sociedade marcada por feridas coloniais perversas e inadmissíveis.

Nilcéa Freire presente em nossos corações e mentes!