Nota de repúdio à recusa "técnica" da FAPESC em financiar pesquisas com temáticas contra-hegemônicas da UFSC
08/11/2024 • Notas e Comunicados
A Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof) repudia, em consonância à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o indeferimento sistemático por parte da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação de Santa Catarina (FAPESC) de bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado que envolvem temas relacionados às questões de gênero, sexualidade e diversidade, aos movimentos sociais e políticos e aos estudos decoloniais de pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
As bolsas do edital 18/2024 que seriam destinadas a projetos já aprovados em seus respectivos Programas foram recusadas unilateralmente a despeito do cumprimento do cronograma e dos critérios de admissibilidade previstos no edital. Ao comunicar o indeferimento, a FAPESC afirmou, contudo, que os projetos não aderiam ao “ecossistema catarinense de Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI)” e não cumpriam com o importante critério da “solução de problemas da sociedade catarinense e brasileira, atendendo especificamente às necessidades do poder público, do setor produtivo e da comunidade local”.
Entretanto, a partir de levantamento interno feito pelos Programas de Pós-Graduação da UFSC, ficam explícitos os elementos comuns nos temas dos projetos recusados, distribuídos entre diversos Programas de Pós-Graduação relacionados à área das Humanidades da UFSC, incluindo o Programa de Pós-Graduação em Filosofia. “Coincidentemente”, os 14 projetos recusados tratam de temáticas relacionadas à saúde das mulheres, às questões LGBTQIAPN+, à sexualidade, à subjetividade, aos povos originários, às questões ambientais e a críticas ao governo de Jair Bolsonaro bem como ao neoliberalismo.
Embora não se encontre no Estatuto da FAPESC qualquer documento auxiliar que explique o que significa a aderência ou o cumprimento aos critérios do “ecossistema catarinense” ou seu aporte às necessidades da sociedade catarinense que pudesse legitimar a recusa de financiamento, é simplesmente equivocado ajuizar os projetos em pauta como improcedentes em termos de sua contribuição para pensar em soluções voltadas à comunidade local, em especial, aliás, às comunidades catarinenses mais vulnerabilizadas pelas políticas neoliberais e abertamente coniventes com as manifestações fascistas presentes no estado nos anos recentes.
Ademais, em carta aos Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação da UFSC, a Profa. Dra. Cristina Scheibe Wolff (Subcoordenadora do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas) explicou também que o presente processo de concessão de bolsas pela FAPESC foi tumultuado e autoritário, gerindo decisões prévias a princípio outorgadas aos Programas:
“A FAPESC concedeu as bolsas aos programas e encarregou-os de proceder à seleção dos estudantes e profissionais, no caso dos pós-doutorado, que as receberiam. (...) Mas cabia ao programa fazer a seleção, e a recusa dos projetos selecionados desautoriza os programas e coloca acima deles um corpo técnico da FAPESC que não sabemos exatamente como fez a análise dos projetos, já que não foram submetidos a avaliação por pares. Os programas tiveram pouquíssimo tempo hábil para isso, e mesmo assim fizeram esforços muito grandes criando e divulgando editais e comissões de seleção, e apresentando toda a documentação solicitada pela agência. Para logo começarem a receber pedidos de mudanças nos formulários, complementação de argumentos e documentos, e finalmente mandar essa comunicação negando as bolsas e sugerindo que o programa selecione outra. Mas essas pessoas foram selecionadas através de edital e com comissão de seleção, o programa pode ou deve passar por cima deste processo para enviar outro projeto?”
Fica patente que tal recusa não apenas descumpre políticas não-discriminatórias e autônomas de fomento à pesquisa universitária, representando um atraso para a Pesquisa em Filosofia e, de modo mais geral, para as Ciências Humanas, como desafia direitos constitucionais relacionados à Educação:
“A Liberdade de Cátedra é assegurada pela Constituição Federal (Artigo 206 – II e III) e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Artigos 2º e 3º – III e IV) se refere às liberdades de ensinar e aprender, previstas em nome da democracia e da formação da cidadania. A Constituição Federal de 1988 está fundamentada em princípios de cidadania e liberdade, prevê em seu art. 5º. os direitos e garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito. Nos incisos IV e IX do citado artigo estão assegurados a livre manifestação do pensamento e o direito de expressar livremente a atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente da autorização do Estado”.
Foi aberto um recurso administrativo para a revogação das decisões da FAPESC que permanece sem resposta. Nesse sentido, a Anpof, em consonância à carta da SBPC, caracteriza os critérios utilizados pela FAPESC como não acadêmicos e pede a revisão da decisão segundo razões solidamente científicas e constitucionais, com a restituição em retroativo dos meses de bolsa perdidos pela recusa “técnica”.
Seguem listados os títulos dos projetos recusados:
Mestrado:
Subjetividades pornô: do capitalismo disciplinar à era farmacopornográfica
Defensorias Públicas na América Latina: O caso da Defensoria LGBT de Buenos Aires
O Alimento e o sagrado: Cultivo do Milho (Avanti Etei) Entre os Guarani Mbyá de Santa Catarina
#EleNão: O que foi o movimento e quem eram as mulheres manifestantes contrárias ao presidenciável Jair Bolsonaro nas eleições em 2018
Efeito do consumo da polidextrose sobre indicadores glicêmicos e nutricionais de mulheres com diabetes mellitus gestacional: um ensaio clínico randomizado
Doutorado:
O desenvolvimento da Competência em Informação voltado às pessoas LGBTQIAPN+ que atuam em grupos sociais com foco em situação de vulnerabilidade social
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Pós-doutorado:
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