Chamada de artigos para a Revista Das Questões v.7 n.1 (2019)

31/05/2019 • Notícias ANPOF

Convidamos autores/as a submeterem artigos, ensaios e traduções ligadas a presente chamada, até a data final de envio, 30 de junho de 2019. Toda submissão deve ser feita pela plataforma da revista e seguir o rito descrito nas Diretrizes para autores.

Das Questões v.7 n.1 - Mundos em processo

Já no início do século XX, Alfred North Whitehead nos apresenta uma crítica mordaz da cosmologia moderna. Para o filósofo, a modernidade é marcada pelo que ele chama de “bifurcação da natureza”, uma disposição intelectual e, sobretudo, afetiva que perpassa todas as instâncias de composição da realidade humana: a política, o conhecimento, a psicologia, a arte e a vida cotidiana. Bifurcar a natureza significa defender, explicita ou implicitamente, a divisão da natureza em duas zonas ontológicas diversas. De um lado estariam os fatos brutos, os objetos em si, do outro, os valores e as sensações suscitadas por tais fatos e objetos ou impostas sobre eles. Nessa divisão, a natureza primeira seria eterna, imutável, repetível. A primazia dessa natureza sobre a natureza humana, de valores transitórios e impressões aparentes, sustentou e sustenta a primazia da identidade. Várias são as figurações dessa bifurcação que Whithead identifica na modernidade: o dualismo cartesiano, a distinção entre qualidades primeiras e segundas de John Locke, a cisão entre o fenômeno e o númeno em Immanuel Kant, a natureza que pode ser lida como um livro escrito com a matemática de Galileu, a imagem mecanicista do mundo de Isaac Newton e tantas outras. Para o autor, “persiste, [...] ao longo de todo o período, a cosmologia científica estabelecida que pressupõe como fato último uma matéria, ou material, bruta e irredutível espalhada pelo espaço em um fluxo de configurações”. A redução do mundo a arranjos de uma matéria quase desprovida de qualidades e o excepcionalismo conferido ao humano são a marca da modernidade e de suas instituições. Em 1925, porém, Whitehead diagnosticava que “as antigas fundações do pensamento científico estão se tornando ininteligíveis. Tempo, espaço, matéria, material, éter, eletricidade, mecanismo, organismo, configuração, estrutura, padrão, função; tudo exige reinterpretação”. 

As transformações nas ciências, em especial a física quântica e a teoria da relatividade, possibilitaram uma investida renovada contra a bifurcação da natureza. Seguindo os passos de William James, um dos poucos filósofos que Whitehead considerava realmente grandioso, o autor busca construir uma filosofia especulativa capaz de “enquadrar um sistema coerente, lógico e necessário de ideias gerais em termos com os quais todos os elementos de nossa experiência possam ser interpretados”. Esse compromisso com a experiência desloca o pensamento de Whitehead da identidade, do ser e da eternidade para a relacionalidade, o devir e o processo. Ainda que Whitehead tenha permanecido relativamente obscuro ao longo do século XX, suas preocupações certamente apareceram em outras vozes. Além disso, é possível identificar pequenas linhagens whiteheadianas tanto nos Estados-Unidos, em especial ligada à teologia processual e à ecologia, quanto na Europa, sobretudo na França, onde Jean Wahl apresentou uma geração de pensadores ao pensamento pragmatista.

No entanto, talvez o pensamento de Whitehead nunca tenha feito tanto sentido quanto hoje. Em tempos de mudanças climáticas, a transitoriedade do que parecia eterno não é uma revelação metafísica ou um refinamento teórico, mas uma realidade cotidiana. Os processos de constituição da Terra, dos ecossistemas, do clima e das espécies se evidenciam diariamente de maneira aguda, muitas vezes, infelizmente, no encerramento de sua existência. Estamos perdendo mundos em velocidades vertiginosas, na medida em que perdemos as preensões e relações que formam as experiências específicas de animais, vegetais, fungos, rochas, rios. Acima de tudo, permanecemos cegos aos pensamentos não-modernos que há tempos pensavam os mundos em permamente processo.

Para esta edição, aceitaremos trabalhos que:
• Apresentem e analisem a filosofia de Whitehead;
• Identifiquem os antecessores e sucessores, explícitos ou implícitos, de Whitehead;
• Comparem a filosofia processual de Whitehead a outros pensamentos do processo;
• Construam uma crítica aos fundamentos da modernidade, similar ou não, àquela de Whitehead;
• Relacionem o pensamento de Whitehead a questões contemporâneas como a falência dos modelos políticos e sócio-econômicos ou a crise climática;
• Abordem saberes, filosofias e modos de viver, de pensar e de fazer extra-modernos que enfatizem a processualidade, a transitoriedade e a relacionalidade.

Endereço para submissão: http://periodicos.unb.br/index.php/dasquestoes/cfp