Ensino de Filosofia: uma questão para a CAPES

GT Filosofar e Ensinar a Filosofar

05/05/2020 • Debate sobre a Coordenação de Área da Capes - 2017

21 Dez 2017

Nosso GT Filosofar e Ensinar a Filosofar aproveita este fórum para levantar uma questão aos futuros coordenadores da área de Filosofia da CAPES: quando o Ensino de Filosofia será finalmente reconhecido como subárea de pesquisa, ao lado de tantas outras inquietações filosóficas como Estética, Metafísica, Epistemologia, Ética, História da Filosofia, etc.?

Não falta legitimidade para a pergunta, uma vez que encontramos nos próprios documentos da CAPES certo reconhecimento do problema. Basta ler no último documento da área de Filosofia, referente ao ano de 2017, o balanço feito pela atual coordenação.

Nele, encontramos a proposta sobre a “inserção/incidência no Ensino Fundamental e Médio”. Sobre isso, a atual coordenação explicita alguns encaminhamentos que sustentam essa proposta: “Ações visando a formação ou a requalificação dos docentes abarcam um largo espectro de iniciativas, desde eventos de extensão a cursos de curta e média duração; produção de material didático e paradidático; publicação em mídias  e periódicos não acadêmicos (magazines voltados para o público em geral); e o aparecimento de Mestrados Profissionais e em rede, voltados para a formação dos professores de Filosofia no Ensino Médio. Todas essas iniciativas e suas formas de institucionalização são valorizadas pela coordenação de área, quer por meio de sua aferição na avaliação dos Programas (cursos, publicações e atividades voltadas para o Ensino Médio, etc.), quer pelo apoio à criação de Mestrados Profissionais e em rede” (MEC-CAPES, Documento de área 2017 – Filosofia, p. 10). São propostas que seguem no reconhecimento internacional do ensino de filosofia (V. UNESCO, Philosophy: A school of freedom, 2007).

Tais propostas são bem-vindas, mas exigem passos que as estruturem no campo da pesquisa. Dentre os critérios de avaliação da própria CAPES, a área da Filosofia em geral tem reconhecido avanço nas suas produções científicas, bem como na internacionalização de seus programas. No entanto, deixa a desejar na relação com o ensino, conforme o próprio relatório indica: “Entre os aspectos ainda em desenvolvimento encontramos a integração dos Programas com o Ensino Fundamental e Médio. Apesar da consciência de sua importância, ainda não foram amadurecidos os mecanismos de sua plena efetivação, embora existam experiências exitosas em alguns deles” (MEC-CAPES, Documento de área 2017 – Filosofia, p. 8-9).

A partir dessas indicações da própria coordenação atual da área – dificuldades que são reiteradas nas avaliações quadrienais anteriores de outras coordenações – o GT Filosofar e Ensinar a Filosofar sugere à nova coordenação uma maior sensibilidade ao reconhecimento da subárea de pesquisa: Filosofia e Ensino. Afinal, tal relação ganhará o refinamento adequado na medida mesma em que linhas de pesquisa sejam materialmente possibilitadas, com investimento em suas produções e pesquisas, bem como estratégias que aproximem os diversos níveis de ensino: na graduação (licenciaturas e bacharelados), pós-graduação (mestrado profissional, mestrado e doutorado acadêmicos) e, last but not least, a educação básica. Fazê-lo não é uma novidade! A pesquisa em Filosofia e Ensino já existe: basta olhar para a trajetória das pesquisas presentes nesta relação e observar os elementos que a mobilizam.

 

Filosofia e Ensino: uma trajetória

De certo modo, os mais de dez anos do GT Filosofar e Ensinar a Filosofar refletem essa trajetória. Muitos de seus membros fundadores carregam consigo a história das lutas exigidas pelo retorno da Filosofia como disciplina obrigatória no currículo das escolas. A despeito das dificuldades e incompreensão sofridas por esta geração de professores, este momento foi privilegiado pela criação de novas estratégias: um acúmulo de debates sobre o significado das relações entre Filosofia e Ensino, com a produção de inúmeros dossiês e livros, bem como uma intensa agenda de encontros sobre o tema. Nesses tempos, foram redigidos textos centrais para nossas licenciaturas, bem como materiais didáticos que até hoje são referências para nossos estudantes. Aqui estão consolidados debates frutíferos que aproximam de diversos modos Filosofia e Educação: seu significado na instituição escolar, os desafios de sua didática, a formação dos professores dessa disciplina, os modelos curriculares reconhecidos pelo MEC, as estratégias de estágios etc.

O acúmulo dos debates ganha nova inflexão não apenas com a obrigatoriedade disciplinar da Filosofia no Ensino Médio (2008), mas também com o reconhecimento dos cursos de Licenciatura em sua integralidade. Desde 2001, o Conselho Nacional de Educação considera “a terminalidade e integralidade” da Licenciatura em relação ao Bacharelado, “constituindo-se em um projeto específico” (MEC/CNE – Parecer CNE/CP 09/2001). Isso enfatiza algo que vinha desde a LDB, a saber: que a formação inicial docente não pode ser mais um apêndice dos cursos de bacharelado, de modo que não basta ter conhecimento dos grandes temas da Filosofia para que um professor da disciplina seja formado. É preciso reconhecer a formação docente nos debates político-pedagógicos articulados aos conhecimentos específicos que mobilizam a Filosofia enquanto herança cultural recebida e moldada por gerações.

Passos como esses são fundamentais para compreendermos a produção de pesquisas que conferem novo fôlego a uma série de iniciativas que consolidam o Ensino de Filosofia como uma subárea de pesquisa. Os efeitos dessas mudanças já podem ser sentidos em diversas ações, como a criação do PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – pesquisa conjunta entre os professores e alunos da Licenciatura e das escolas), encontros científicos com pesquisadores e interessados na área, como o Congresso Nacional de Professores de Filosofia em Piracicaba (2000), o Fórum Sul de Ensino de Filosofia com várias edições, os Colóquios Internacionais bianuais de Filosofia e Educação da UERJ e, mais recentemente, a ANPOF/Ensino Médio (iniciativa importante da pós-graduação em Filosofia em acolher o debate em seus encontros bianuais, dando visibilidade aos debates e pesquisas, bem como aos relatos de experiência das mais diversas frentes do ensino de Filosofia) e, mais recentemente, a criação de dois mestrados profissionais em Filosofia: o Programa de Pós-Graduação em Filosofia e Ensino (CEFET-RJ) e o PROF-FILO (Mestrado Profissional em Rede), ambos visando a formação do professor de Filosofia, operando pesquisas junto às experiências na sala de aula e fortalecendo a pós-graduação entre os professores da Educação Básica (conforme previsto na meta 16 do Plano Nacional de Educação e nas metas do Plano Nacional de Pós-Graduação 2010-2020, aliás).

Não menos importante é a criação de periódicos acadêmicos. Nesse campo, existem aqueles cuja interface entre Filosofia e Educação acolhem as pesquisas de Ensino e Filosofia (por exemplo: Revista Educação e Filosofia (1986/UFU), Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação (2003/UnB), Revista Filosofia e Educação (2009/UNICAMP)); bem como, atualmente, já estão circulando periódicos especializados na área, com a publicação regular de artigos, relatos, entrevistas, resenhas e traduções – canais importantes de atualização da pesquisa (por exemplo: Childhood & Philosophy (2005/Parceria entre a Núcleo de Estudos de Filosofia e Infância (NEFI/UERJ) e a International Council of Philosophical Inquiry with Children (ICPIC)), Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre o Ensino de Filosofia (2014/UFPR), Revista Digital de Ensino de Filosofia (2015/UFSM)).

Além disso, não podemos esquecer algumas coleções que organizam o debate da área de pesquisa, destacando: Coleção Filosofia na Escola (Vozes); Coleção Filosofia e Ensino (UNIJUÍ); Coleção Ensino de Filosofia (Autêntica); Coleção Filosofar é Preciso (Loyola).

Mais ainda, pensando na interface entre Filosofia e Ensino nas escolas, não podemos deixar de lado a criação de materiais didáticos os mais diversos (não apenas livros didáticos, como também o uso de variados elementos culturais, por exemplo: jogos, cordéis, quadrinhos, vídeos, etc.). Neles estão aplicados um conjunto de investigações basilares da interface entre educação, ensino e Filosofia, potencializados frequentemente pelo apoio à pesquisa.

Tudo isso consolida a materialidade das produções dessa pesquisa, elementos valiosos que permitem a aproximação da pesquisa e Educação Básica.

 

A importância da subárea Filosofia e Ensino

Uma vez reconhecida a trajetória da área e seu acúmulo de frentes de pesquisas as mais diversas, bem como a reconhecida importância (e dificuldade) pela própria coordenação da área de Filosofia na CAPES em seus documentos, o GT Filosofar e Ensinar a Filosofar considera decisivo e consequente o reconhecimento da subárea de pesquisa Filosofia e Ensino na pós-graduação enquanto fator de desenvolvimento e articulação com programas de ensino fundamental e médio.

Aliás, consideramos que já estamos atrasados para esta demanda, frente às outras disciplinas escolares, como Matemática, Ciências e Artes, ou ainda História e Sociologia.

Muito embora seja significativo o avanço com programas como o PROF-FILO e o PIBID, é preciso pensar na Filosofia e Ensino como subárea de pesquisa na medida mesma em que a partir disso se incentivam a criatividade e a ousadia de ações e pesquisas para uma ampla e diversa comunidade filosófica. Reconhecer Filosofia e Ensino como subárea significa um passo político e científico importante que não reproduz o lugar comum em que a Educação e o Ensino são colocados: sempre declarados como importantes, mas sem nenhum reconhecimento efetivo que dê conta das demandas desse desafio. Aproximação que não deveria ser estranha se notássemos o compromisso de muitos filósofos e filósofas com a educação de jovens e crianças (Sócrates, Montaigne, Lipman, Arendt, Beauvoir, Stein, Chaui, entre outrxs).

Declarar a subárea Filosofia e Ensino à altura das demais subáreas da Filosofia elencadas pela CAPES é dar sentido efetivo à aproximação entre os níveis de ensino; é fomentar a curiosidade filosófica pelo ensino nos bacharelados e nas licenciaturas, pós-graduações acadêmicas e profissionais; é fornecer mais elementos de pesquisa da Filosofia em seus mais diversos contextos; é - por que não dizê-lo? - um ato de liberdade no pensar.

Ora, reconhecer Filosofia e Ensino enquanto subárea da Filosofia na CAPES significa dar uma resposta aos tempos sombrios que procuram silenciar a atitude filosófica já no primeiro contato com essa matéria na escola. Uma resposta à altura do lugar em que estão procurando deixar a Filosofia: na incógnita da última Reforma do Ensino Médio.

Por fim, desejamos à nova coordenação toda a coragem e prudência necessárias!