Filosofia Jabuticaba - colonialidade e pensamento autoritário no Brasil

Suely Molina

mestre em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos

19/09/2022

João de Fernandes Teixeira
Filosofia Jabuticaba – colonialidade e pensamento autoritário no Brasil
São Paulo, Editora FiloCzar, 2021 

“O Brasil não muda”. Essa é uma afirmação desconcertante que aparece nas primeiras páginas do livro de João de Fernandes Teixeira, ex-professor da UNESP e da Universidade Federal de São Carlos. João Teixeira é conhecido no Brasil como filósofo da mente e da tecnologia, e este é o primeiro livro no qual ele se aventura na discussão em torno da filosofia no Brasil. O primeiro de uma série, nos diz o autor, pois a filosofia no Brasil é um problema filosófico.

Num país asfixiado pelo colonialismo, pelo confronto entre uma sociedade dinâmica com uma ordem social, institucional e política arcaica, a reflexão filosófica não poderia prosperar. Faz parte do arcaísmo sermos convencidos de que vivemos em um país sem importância, no qual a opressão se instalou pelo descaso com a população e, mais recentemente, com o meio ambiente. Um país que não tem projeto, que agora tenta reescrever sua história, lembrando que os pretos e os indígenas também fizeram parte dela. Mas, ao mesmo tempo, um país no qual o sudeste e o sul elegem como seu principal alimento o pãozinho francês, feito com farinha de trigo importada.

Na filosofia não poderia ser diferente. João Cruz Costa e Lima Vaz afirmaram que no Brasil não existe um ambiente propício para se fazer filosofia. Nos nossos cursos de graduação somos convencidos de que não somos capazes de refletir e, por isso, tudo o que podemos fazer é seguir na sombra dos clássicos europeus, que já pensaram tudo o que poderia ser pensado.

O corolário desse modo de pensar – ou de não pensar – é que só nos resta comentar os clássicos, reverenciá-los e jamais pôr em questão o que eles pregavam séculos atrás. Estamos tão imbuídos de uma autocensura, reflexo de um autoritarismo político e social que se arrasta ao longo dos séculos, que somos educados para não ousar nada no pensamento. Qualquer inovação é desqualificada como um erro, um desvio desse mainstream acadêmico no qual a filosofia nada mais é do que história da filosofia.

O resultado só poderia ser, de um lado, uma filosofia cartorial ou, de outro, cartilhas de ativismos, cujas propostas são tão inquestionáveis que dispensam a reflexão. Ninguém duvida que o Brasil vive um escravagismo estrutural, agravado pelo racismo e pelo machismo; mas, será que pregar isso aos quatro ventos resume toda a tarefa da filosofia?

A filosofia cartorial ou filosofia jabuticaba é aquela feita pelos nossos estudantes de pós-graduação: o comentário, a arqueologia. É a filosofia que vai diretamente para os arquivos  das bibliotecas, na forma de dissertações e de teses. Ela não é lida por ninguém, pois os mestres sempre recomendam a leitura dos textos originais e não a dos comentadores. Será que esse tipo de filosofia ainda existe em alguma parte do mundo? Ou será ela uma aberração tropical, tão exótica quanto uma jabuticaba?

Nesse ambiente autoritário, no qual direita e esquerda oscilam pendularmente, é difícil saber se a filosofia no Brasil não existe ou se nos tornamos incapazes de enxergá-la. Ninguém nega que existe uma produção, ainda que escassa, de filósofos brasileiros jovens, que estão conseguindo publicar suas obras em editoras de primeira linha em vários países. É um movimento crescente que, embora lento, já incomoda o mainstream, que tenta, incessantemente, excluir esses profissionais, empurrando-os para a periferia do mundo acadêmico.

O autor ressalta que não busca uma filosofia brasileira, mas a defesa de uma filosofia no Brasil, sem o vira-latismo que faz com que, até hoje, os brasileiros não leiam os brasileiros.