O desconhecido de si e dos outros: a invenção do ser humano e quando deixamos de entender o mundo

Lúcio Álvaro Marques

Professor do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais e do Programa de Pós-graduação em Educação (UFTM)

14/08/2023

O desconhecido de si e dos outros: a invenção do ser humano e quando deixamos de entender o mundo

Autor: Marcelo Vinicius Miranda Barros | Editora: Dialética, 2023.

 

Esse livro em forma de ensaio intitulado "O desconhecido de si e dos outros: a invenção do ser humano e quando deixamos de entender o mundo” de autoria de Marcelo Barros, com o prefácio do Prof. Dr. Lúcio Álvares Marques da UFTM, implica que é corriqueiro nas Humanidades em geral, como também em uma parte do senso comum, entender que o ser humano é um ser social. Mas o presente livro gostaria de libertar o ser humano de tal concepção sem perder em nada as relações sociais. Para isso, tendo principalmente como ponto de partida Husserl e Hegel, Marcelo Barros tenta o que chama relação em si que é condição para as relações sociais não tematizadas e tematizadas. 

Afastando-se do lugar-comum, o autor faz essas conceitualizações que buscam apreender que o ser humano não é um ser social na acepção de que ele se relaciona com a sociedade. O ser humano é a relação em si que permite, por um lado, nomearmos um ser de “humano” e, por outro, um ser de “sociedade”. Numa palavra, o ser humano produz um ser humano ou este ser humano na medida em que ele se determina nesse ser humano que ele mesmo produz. Assim, o humano só tem sentido de ser enquanto relação dialética. Não há, portanto, qualquer ser humano fora ou dentro da relação, ele é a relação. Com efeito, sempre em transformação dinâmica, só podemos nos conhecer de forma incompleta, e apenas relativo a um mundo social não tematizado em que somos constituintes e que, ao mesmo tempo, nos excede de maneira que não somos capazes de nos apreender inteiramente na existência.

Marcelo Barros coloca a questão de que a necessidade humana de tematizar o não tematizado que somos surge das implicações existenciais na acepção de que o ser humano se encontra indiciado a vivenciar a sua existência. Esse existir coloca em questão a interpretação que fornece condições de apreender a existência para que o ser humano possa se orientar socialmente nela, com efeito, é preciso que o ser humano tente apreender a si mesmo também, já que ele não só faz parte da existência social, como ainda é a própria forma de um existir. É por isso que buscamos dar sentido à não tematização; buscamos tematizá-la, para nos fazer compreender. Desse modo, não há a necessidade de uma espécie psicanalítica da falta do objeto de desejo, como explicação do que move o ser humano, por exemplo. É tudo uma questão dialética e contingente de ajustes e reajustes relacionais, um ajustamento criativo. Assim, a presente obra busca apreender a investigação desse fenômeno existencial que será realizada a partir dos conceitos de relação em si e relações sociais não tematizadas e tematizadas, isto é, da compreensão de que um ser humano é relações sociais não tematizadas e tematizadas que não estão “fora”, mas imanentes as outras relações e que, a rigor, o ser humano é a relação em si que é condição pré-ontológica para os polos não tematizados (ontológico) e tematizados (gnosiológico) das tais relações. Apreender as dinâmicas da sociedade que envolvem corpo, sexo, sexualidade, gênero, dentre outros, depende não apenas de buscas empíricas, como também de direções teóricas sobre os dados ontológicos que o definem, como as relações sociais não tematizadas e tematizadas.

Examinando o modo em que se concebe o que chamou de "relação" e como enfrenta as questões que giram em torno dela, "O desconhecido de si e dos outros" é também um trabalho de reflexão interessado em se pôr em dia com os ritmos da sociedade contemporânea e dos movimentos coletivos guiados pelos ideais de emancipação, já que se o ser humano é relação, não existe nada fora da relação que nos coloque como realidade humana, então estamos condenados ao engajamento.

Portanto, falar de relações humanas a partir do livro de Marcelo Barros é um pleonasmo, pois o ser humano não se tem nem pratica relações. Ao contrário, ele é relação em si. É nessa chave que o autor desenvolve sua obra subdividida em duas partes. Na primeira, responde à questão "o que é o ser humano" e, na segunda, se existe uma filosofia no Brasil. A primeira resposta é fenomenológica, a segunda, ontológica

Em suma, imersos no tempo da radical fragmentação e do atomismo social, o autor repropõe a vida humana como relação.