Tomás de Aquino - Chaves de leitura

Matteo Raschietti

Professor de Filosofia da Universidade Federal do ABC

10/09/2024

Organizado por Juvenal Savian Filho e Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento 
Paulinas, 2024 | Link para compra

É com muita alegria e satisfação que apresentamos um livro de grande importância para a compreensão da obra de um gigante na história do pensamento filosófico e teológico medieval: “Tomás de Aquino. Chaves de leitura”, organizado pelo professor Juvenal Savian Filho da UNIFESP e pelo maior conhecedor brasileiro do pensamento do Doctor angelicus da atualidade, Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento, professor titular aposentado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Publicado neste ano de 2024 pelas Paulinas, nas suas 462 páginas oferece um instrumento valioso não apenas para um público especializado, mas também para o leitor e a leitora comuns que desejam se aprofundarem no conhecimento do pensamento do Aquinate. Como o próprio Juvenal Savian Filho explica na apresentação, o livro possui verbetes redigidos por especialistas de várias partes do mundo (apesar de a maioria ser brasileiros), que, lançando mão de um estilo dissertativo, trazem à tona um cuidado teórico-metódico e uma preocupação didática necessários tanto para quem busca uma iniciação a Tomás de Aquino, quanto para os especialistas em teologia, filosofia e ciências humanas em geral. Assim, antes de apresentar os verbetes, há uma lista dos autores e tradutores com uma pequena biografia de cada um deles, a apresentação da obra redigida por Juvenal Savian Filho, a lista das obras citadas das obras de Tomás de Aquino mais mencionadas e, no final, um índice remissivo que visa facilitar a identificação de cada conceito. A obra tem um cuidado também do ponto de vista gráfico: uma lupa remete, em cada verbete, a outro correspondente que pode ser encontrado na obra.

Livro de leitura agradável e bem organizado, desperta nos leitores e nas leitoras do Brasil o mesmo sentimento que Bernardo de Chartres, em uma apologia apaixonada do pensamento antigo, expressa no aforismo (originalmente atribuído a ele) segundo o qual os contemporâneos conseguem ver mais longe porque estão sentados nos ombros de gigantes (nos esse quasi nanos gigantum humeris insidientes). Tomás de Aquino, com efeito, escreve em uma época em que, pela primeira vez em séculos, se vê uma doutrina completa e sistemática - a doutrina aristotélica - irromper no continente europeu e fornecer uma visão global e acabada do mundo, do ser humano, da cidade, prescindindo absolutamente de Deus, suficiente em si mesma. O perigo de uma secularização completa do pensamento no século XIII, como poderíamos dizer hoje, era real. O Doctor angelicus, diante desse desafio, não chega a “batizar Aristóteles”, como às vezes se ouve, mas entende o filósofo grego pelo que ele está dizendo e expressa seu pensamento em termos aristotélicos, não repetindo o que o Estagirita afirma, mas criando, por meio da interação entre o Evangelho e os textos antigos, um novo pensamento. Assim, por exemplo, ele vai além da categoria da “substância” (analisada, na obra, junto com o conceito de “essência” pelo prof. Marco Aurélio Oliveira da Silva), critério explicativo suficiente da realidade para Aristóteles, por meio da mediação do texto do Êxodo: “Eu sou Aquele que sou” (Ex 3,14), que tornar-se-á a chave para a elaboração de sua metafísica, o actus essendi, o “ato de ser”, além de fundar as existências criadas individuais. Nesse modo, elaborando uma nova metafísica com a Bíblia, Tomás de Aquino vira do avesso a metafísica aristotélica, passa por ela e - enfim - chega a ultrapassá-la.

A mensagem do dominicano de Roccasecca, no 750º aniversário da sua morte, é ainda extremamente atual e, por isso, uma obra como “Tomás de Aquino. Chaves de leitura” não pode faltar na estante de quem está à procura da verdade. De fato, a incomparável maestria do Doctor angelicus em articular um raciocínio rigoroso, marcado por uma lógica férrea, em que toda passagem argumentativa é sempre comprovada e nunca apodítica, está em grande parte perdida hoje, mesmo entre acadêmicos e pessoas comuns, onde domina a autogratificação emocional, ou seja, a razão escravizada às paixões, aos sentimentos. Vide a arena das redes sociais. Em outra frente, a filosofia e a teologia de Tomás de Aquino provocam os contemporâneos porque a premissa sobre a qual toda sua reflexão se baseia é inatacável, uma premissa que, em vez disso, é fortemente questionada pela cultura contemporânea. A única premissa existente para qualquer raciocínio é a seguinte: algo existe. O “ser” (cujo verbete é analisado no livro junto com o de “ente” pelo prof. Marco Aurélio Oliveira da Silva junto com Juvenal Savian Filho), é o primeiro dado da razão e é uma evidência inescapável. Repare-se o realismo absoluto: Tomás de Aquino não inicia sua reflexão a partir da fé, da Revelação, de Deus (porque não é evidente, diz ele), das teorias de outros mestres, do pensamento, dos sentidos, mas da realidade, porque é um dado objetivo e não subjetivo. A realidade está diante do ser humano pelo que ela é. É verdade que a conhecemos subjetivamente, mas ela não perde sua objetividade por causa disso. Ao longo dos séculos, as objeções articuladas para refutar essa evidência morreram na praia.

Um legado importante do pensamento do Aquinate é a consciência de que somos herdeiros de uma busca que não começou conosco: não somos o ponto mais alto do pensamento, mas nos movemos em um caminho de muitos, em um esforço comum que nos precede e nos acompanha, e que nos seguirá. Não existe um “eu penso” absoluto: existe um “eu penso junto com você”, no qual o “eu” e o “você” se referem um ao outro: o relacionamento funda a identidade da pessoa e, portanto, do pensamento. Somos carregados por uma tradição para a qual todas as gerações contribuíram. Inclusive a brasileira, como testemunham as 10 apresentações sobre Tomás de Aquino que estão previstas no Grupo de Trabalho “Filosofia na Idade Média” desta XX ANPOF, o 30% do total. Mais um motivo para ter na nossa biblioteca pessoal “Tomás de Aquino. Chaves de leitura”.